Capítulo XIII
Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos
reunidos no mesmo lugar. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a
falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem.
Atos 2:1,4
A obra de Cristo culmina no derramamento do
Espírito Santo. O impressionante mistério da encarnação em Belém, a grande
redenção conquistada no Calvário, a revelação de Cristo como o Filho de Deus no
poder da vida eterna através da ressurreição, Sua entrada na glória pela
ascensão – estes são apenas estágios preliminares; seu objetivo e coroação foi
a vinda do Espírito Santo. O dia havia chegado em plenitude. O Pentecostes
é a última e a maior das festas cristãs; nele as outras encontram seu
cumprimento e realização. É porque a igreja pouco reconheceu isto e porque não
viu a glória do Pentecostes como a maior glória do Pai e do Filho que o
Espírito Santo não pôde revelar e glorificar plenamente o Filho nela.
Examinemos o que significa o Pentecostes.
Deus fez o homem à Sua própria imagem e de acordo
com Sua semelhança, com o propósito de que se tornasse semelhante a Ele. O
homem deveria ser o templo da habitação de Deus; ele deveria ser a casa do
descanso de Deus. A união mais próxima e íntima, a habitação de amor, era o que
O Santo ansiava. O que foi anunciado apenas em tipo, inadequadamente, no templo
em Israel, se tornou divina realidade em Jesus de Nazaré. Deus encontrou um
homem em quem Ele
pudesse repousar; cujo ser estava totalmente aberto ao governo de Sua vontade e
à comunhão de Seu amor. Nele havia a natureza humana tomada pelo Espírito
divino; Deus desejava que todos os homens fossem assim. E assim será com todos
aqueles que aceitarem a Jesus como sua vida. Sua morte removeu a maldição e o
poder do pecado e lhes tornou possível receber o Seu Espírito. Sua ressurreição
foi a entrada da natureza humana, livre de todas as fraquezas da carne, na vida
divina do Espírito. Sua ascensão foi a admissão como homem na própria glória de
Deus, a participação da natureza humana na perfeita comunhão com Deus em glória
na unidade do Espírito. E, ainda com tudo isso, a obra não estava completa. O
elemento primário ainda faltava. Como o Pai poderia habitar no homem assim como
habitou em Cristo? Esta era a pergunta para a qual o Pentecostes deu a
resposta.
Das profundezas da mente do Pai, o Espírito é
apresentado em um novo aspecto e um novo poder, como nunca havia sido antes. Na
criação e na natureza, Ele surge da parte de Deus como o Espírito da vida. Na
criação do homem, particularmente, Ele agiu como o poder no qual a semelhança
de Deus se fundamentava, e mesmo depois da queda ainda testificava de Deus. Em Israel Ele apareceu
como o Espírito da teocracia, inspirando e equipando distintivamente certos
homens para suas missões. Em Jesus Cristo Ele veio como o Espírito do Pai,
dado a Ele sem medida - e habitando Nele. Todas estas são manifestações, em
diferentes graus, de um único e o mesmo Espírito. Mas agora veio a última, há
tempos prometida, inteiramente nova manifestação do Espírito divino. O Espírito
que habitou em Jesus
Cristo, e em Sua vida de obediência levou Seu espírito humano
à perfeita comunhão e unidade consigo mesmo, é agora o Espírito do Deus-homem
exaltado. Quando o homem Cristo Jesus entra na glória de Deus e na plena
comunhão da vida do Espírito na qual Deus habita, Ele recebe do Pai o direito
de enviar Seu Espírito aos Seus discípulos, isto é, descer Ele mesmo em
Espírito e habitar neles. O Espírito vem em um novo poder, o que não era
possível antes porque Jesus não havia ainda sido crucificado nem glorificado.
Ele vem como o próprio Espírito de Jesus glorificado. A obra do Filho, o anseio
do Pai, recebe o seu cumprimento. O coração do homem se torna a casa de Deus.
Eu disse que o Pentecostes é a maior das festas da
igreja. O mistério de Belém é, de fato, incompreensível e glorioso, mas quando
eu creio nele, não há nada que pareça impossível. Que um corpo puro e santo
seja formado para o Filho de Deus pelo poder do Espírito Santo, e que nesse
corpo o Espírito habite,é de fato um milagre do poder divino. Mas que este
mesmo Espírito agora venha e habite nos corpos de homens pecadores, e que neles
também o Pai faça Sua residência, é um mistério de graça que ultrapassa todo
entendimento. Mas essa é a bênção que o Pentecostes traz e recebe. A entrada do
Filho de Deus na semelhança da nossa carne em Belém, na maldição e morte do
pecado em nosso lugar, na natureza humana como o primogênito dos mortos no
poder da vida eterna, e Sua entrada na própria glória do Pai – esses foram
apenas os passos preparatórios: esta é a consumação para a qual todo o resto
foi realizado. A promessa agora começa a ser cumprida: “Eis o tabernáculo de Deus com os
homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará
com eles.” (Apocalipse 21:3).
É somente na luz de tudo o que precedeu o
Pentecostes – do grande sacrifício que Deus não considerou grande demais para
que pudesse habitar com homens pecadores – que a narrativa do derramamento do
Espírito pode ser entendida. Ela é o reflexo terreno da exaltação de Cristo no
céu, a participação que Ele dá a Seus amigos da glória que Ele agora tem com o
Pai. Para ser entendida plenamente, precisamos de uma iluminação espiritual. Na
história que é contada tão simplesmente, os mais profundos mistérios do reino
são desvendados, e a escritura de propriedade deles é dada à igreja como sua
santa herança até o retorno do seu Senhor. O que o Espírito deve ser para os crentes e para a igreja, para os ministros da Palavra e sua obra, e para
o mundo descrente, são as três
ênfases principais.
Primeiro, Cristo prometeu aos Seus discípulos que
no Ajudador (o Consolador) Ele viria novamente para eles. Durante Sua vida
terrena, Sua presença pessoal manifesta, revelando o Pai invisível, era a
dádiva do Pai aos homens – aquilo pelo que os discípulos ansiavam e
necessitavam. Esta seria a porção deles em mais poder do que antes. Cristo
entrou na glória com este propósito, de - agora de uma maneira divina -
“preencher todas as coisas”, particularmente os membros do Seu corpo, com Sua
vida glorificada. Quando o Espírito Santo veio, Ele veio como uma vida pessoal
dentro deles. Anteriormente Ele era uma vida separada deles, fora de sua vida
natural. O próprio Espírito do Filho de Deus, como viveu e amou, obedeceu e
morreu, ascendeu e foi glorificado e agora se tornaria uma vida vibrante dentro
deles. Da maravilhosa transação que aconteceu no céu, na colocação de seu
Senhor no trono do céu, o Espírito Santo veio para ser testemunha, para
comunicá-la e mantê-la com eles como uma realidade celestial. De fato não é de
se admirar que quando o Espírito Santo veio do Pai através do Filho
glorificado, toda a natureza deles foi preenchida até transbordar com o gozo e
poder do céu, com a presença de Jesus, e seus lábios exultaram em louvor das
maravilhosas obras de Deus.
Assim foi o
nascimento da igreja de Cristo e assim também deveria ser seu crescimento e
fortalecimento. O primeiro elemento da sucessão da igreja no Pentecostes são os
membros batizados com o Espírito Santo e fogo – cada coração preenchido com a
experiência da presença do Senhor glorificado, cada língua e vida testemunhando
da maravilhosa obra que Deus fez ao levantar Jesus à glória e então preencher
Seus discípulos com essa mesma glória. Não é tanto o batismo de poder para
nossos pregadores que buscamos; ao invés disso, é que cada membro do corpo de
Cristo possa conhecer, possuir e testemunhar da presença de Cristo que habita
neles através do Espírito Santo. Isso é o que atrairá a atenção do mundo e compungir
à confissão do poder de Jesus.
Segundo, foi pelo interesse e pelos questionamentos
que foi despertada a visão desta regozijante e adoradora comitiva de crentes,
na multidão para que Pedro se levantou e pregou. A história do Pentecostes nos
ensina a verdadeira posição do ministério e o segredo do seu poder. Uma igreja
cheia do Espírito Santo é o poder de Deus para despertar os despreocupados e
atrair os corações honestos e desejosos. É para essa audiência – despertada
pelo testemunho dos crentes – que a pregação virá com poder. É de uma igreja de
homens e mulheres cheios do Espírito Santo que surgirão pregadores guiados pelo
Espírito, ousados e livres, para falar a cada crente como testemunha viva da
verdade de sua pregação e do poder de seu Senhor.
A pregação de Pedro é um evidente exemplo do que
são todas as pregações do Espírito Santo. Ele prega o Cristo das Escrituras. Em
contraste com os pensamentos dos homens, que rejeitaram a Cristo, Ele apresenta
os pensamentos de Deus, que enviou a Cristo, se deleitou Nele, e agora O
exaltou à Sua destra. Toda pregação no poder do Espírito Santo fará o mesmo. O
Espírito é o Espírito de Cristo, o Espírito de Sua vida pessoal, tomando posse
de nossa personalidade e testemunhando com o nosso espírito daquilo que Cristo
conquistou para nós. O Espírito veio com o propósito de continuar a obra que
Cristo começou na terra, de tornar os homens participantes de Sua redenção e
Sua vida. Não poderia ser de forma diferente; o Espírito sempre testemunha de
Cristo. Ele assim o fez nas Escrituras; Ele assim o faz nos crentes; o
testemunho do crente será sempre de acordo com a Escritura. O Espírito em
Cristo, o Espírito nas Escrituras, o Espírito na igreja; enquanto este triplo
cordão estiver entrelaçado, ele não poderá ser quebrado.
Terceiro, o efeito desta pregação foi algo
maravilhoso, mas não mais do que se esperava. A presença e poder de Jesus eram
uma realidade na companhia dos discípulos. O poder do trono encheu a Pedro. A
visão que ele teve de Cristo exaltado à destra de Deus foi tão espiritualmente
real que o poder emanou dele. Quando a pregação atingiu seu cerne: “Esteja absolutamente certa, pois, toda
a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor
e Cristo” (Atos 2:36), milhares se curvaram em
quebrantamento de espírito, prontos para reconhecer o crucificado como seu
Senhor e Salvador. O Espírito veio aos discípulos e através deles convenceu os
ouvintes de sua descrença. Os inquiridores penitentes ouviram o comando para se
arrepender e crer, e receberam o dom do Espírito Santo. As maiores obras que
Cristo prometeu fazer através dos discípulos, Ele fez. Em um momento, o
preconceito de uma vida e o ódio amargo deram caminho à rendição, amor e
adoração. Do Senhor glorificado, o poder encheu a Pedro, e dele esse poder saiu
para subjugar o pecado e salvar o pecador.
O Pentecostes é o glorioso amanhecer “daquele dia”,
o primeiro “daqueles dias” de que os profetas e nosso Senhor tão freqüentemente
falaram, a promessa e penhor do que a história da igreja deveria ser. Admite-se
universalmente que a igreja está aquém de cumprir seu destino, que mesmo agora,
depois de vinte séculos, ela não ascendeu à altura de seus gloriosos
privilégios. Mesmo quando ela luta para aceitar seu chamado, testemunhar de seu
Senhor até os confins da terra, ela não o faz na fé do Espírito do Pentecostes
e na posse de Seu poder. Ao invés de considerar o Pentecostes como um
amanhecer, ela muito freqüentemente fala e age como se ele fosse o meio-dia, a
partir do qual a luz logo começa a esmaecer. Se a igreja retornar ao
Pentecostes, o Pentecostes retornará a ela. O Espírito de Deus não pode tomar
posse dos crentes além de sua capacidade de recebê-Lo. A promessa está
esperando; o Espírito está disponível em toda a Sua plenitude. Nossa capacidade
precisa ser aumentada. Enquanto os crentes continuarem em um único acordo em
louvor, amor e oração, se agarrando à promessa em fé, e olhando fixamente para
o Senhor exaltado na confiança de que Ele Se fará conhecer em poder no meio de
Seu povo, então virá - aos pés do trono - o Pentecostes. Jesus Cristo é ainda o
Senhor de todos, coroado com poder e glória. Seu anseio de revelar Sua presença
em Seus discípulos – fazê-los compartilhar a vida gloriosa em que Ele habita – é tão
fresco e pleno como quando Ele primeiro ascendeu ao trono. Tomemos nosso lugar
aos pés do trono. Rendamo-nos em expectativa de fé para sermos preenchidos com
o Espírito Santo e testificar Dele. Que o Cristo que em nós habita seja nossa
vida, nossa força, nosso testemunho. De tal igreja, líderes preenchidos com o
Espírito se levantarão com o poder que fará os inimigos de Cristo se curvarem
aos Seus pés.
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