CAPÍTULO 23
Por: D.M. Lloyd Jones
“A GRANDE DOXOLOGIA”
(Do grego doxa (glória) + logos - palavra)
“palavras gloriosas”
“Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!” (Ef 3:19)
Com estas palavras o apóstolo termina esta notável oração que elevou a Deus em favor dos efésios. Nada poderia ser mais pertinente que isso, depois de uma oração como essa. Temos visto como o apóstolo foi subindo de petição em petição, de altitude em altitude, até que chegou ao clímax, além do qual nada é possível. Nada maior jamais poderá acontecer-nos do que a resposta à petição que sejamos “cheios de toda a plenitude de Deus”, e a sua satisfação. Tendo pedido isso e orado por isso, nada mais se pode fazer, não há oração suplementar, nada mais resta, senão louvar a Deus.
Assim o apóstolo conclui com esta doxologia, e não é surpreendente que ele tenha sentido este desejo de louvar a Deus. Ele estivera orando para que estes efésios fossem “fortalecidos com poder no homem interior”. Essa já é em si uma grande solicitação. Ele prosseguira, orando para que Cristo “habitasse pela fé nos seus corações” e, então, para “conhecessem o amor de Cristo” que ultrapassa o conhecimento, e, acima de tudo, para que fossem “cheios de toda a plenitude de Deus”. Em seguida, ele pára e pergunta a si mesmo que é que torna possível tudo isso? Há somente uma resposta, é “a graça de Deus”.
Assim aqui, tendo elevado as petições, Paulo compreende que as respostas a petições tão espantosas só são possíveis por causa da graça de Deus. É tudo de graça. Não há nada no homem que mereça tais bênçãos. Todas as bênçãos que nós gozamos nos vêm pelo caminho da salvação que Deus providenciou em Seu Filho unigênito e por meio dEle. O apóstolo estava tão profundamente cônscio disto, e tão comovido pela percepção disto, que a sua alma e o seu coração pareciam arder de desejo de louvar e dar graças e glorias ao Deus que tornou possíveis estas coisas aos homens.
O que ele tinha pedido para estes efésios era uma possibilidade tão gloriosa que ele irrompe neste grandioso hino de louvor e adoração. Seu desejo é que toda a glória seja atribuída àquele que é o Autor e Doador da salvação e que é o único que merece a glória, a honra e o louvor.
A questão que surge é: sentimo-nos impelidos e juntar-nos a ele? Animam-nos as mesmas emoções e os mesmos sentimentos? Sentimos como o apóstolo sentiu, este quase irreprimível desejo de louvar a Deus e de magnificar a Sua graça? Será que ficamos emocionados e comovidos, como Paulo ficou, quando compreendemos as tremendas possibilidades abertas para nós na presente vida?
Acharíamos que estas coisas só são possíveis para pessoas extraordinárias como o próprio apóstolo, ou para os chamados “santos” que se retiravam para os mosteiros? Acharíamos que estão fora do alcance do cristão comum, assim chamado, e que certamente não nos são possíveis? Estamos numa destas duas posições. Se já apanhamos um vislumbre destas coisas e vimos a possibilidade, então certamente sentiremos o desejo de externar e de unir-nos ao apóstolo nisso. Todavia se ficarmos sem duvida, estaremos discutindo e argumentando conosco mesmos, e perguntando se isso não é alguma estranha espécie de misticismo.
Isto não é algo que se possa considerar de maneira puramente objetiva. Receio que muitos de nós mereçam a repreensão que Deus passou aos filhos de Israel quando os faz lembrar-se do que Ele teria feito por eles se não fosse a sua “incredulidade”, no Salmo 81:13:
“Ah! Se o meu povo me escutasse...”
Não há fim o que Ele fará por nós, se tão-somente dermos ouvidos. Ó Israel, se me escutasses! Mas eles não ouviram; faltava-lhes a fé para receberem estas promessas. Achavam que elas eram grandes demais; eles hesitavam na incredulidade. Não criam na Palavra de Deus, nas promessas de Deus, e por isso vagavam e deram voltas em sua peregrinação, cheios de dúvida, de vacilações e de medo. Que triste figura! Tudo devido ao fato de que não podiam crer nas promessas porque achavam boas demais para serem verdadeiras. Qual a nossa posição com respeito a eles? Qual a nossa posição às petições que Paulo apresentou, uma após outra, e que levaram ao grande clímax quanto a sermos “cheios de toda a plenitude de Deus”?
Mesmo numa doxologia com esta, na qual ele está atribuindo louvor e glória a Deus, há uma exortação. Ele trata de uma possível falta de fé, uma possível vacilação na incredulidade, pelo que diz:
“Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória”
Ele poderia ter dito: “ora, Áquele, o Deus que tanto promete, glória na Igreja, por Cristo Jesus”. Entretanto, deliberadamente acrescenta outras expressões. Assim como louva a Deus, ao mesmo tempo nos anima a orar e louvar, e nos ensina como fazê-lo.
Será que temos duvidas sobre estas coisas? Conhecemos algo acerca de sermos “cheios de toda a plenitude de Deus”? Se não “conhecemos” estas coisas, é porque, somos ignorantes de Deus, da glória e do poder de Deus, do que ele planejou para nós, em Cristo. Somos ignorantes daquilo que Ele entesourou e depositou para nós na Pessoa do seu Filho.
Demos ouvidos à exortação contida na doxologia. O apóstolo deseja ajudar-nos; ele se inclina para chegar à nossa fraqueza e incredulidade. Ele nos afirma que o que precisamos acima de tudo é conhecer a grandeza do “poder de Deus”. Podemos conhecer isso, diz-nos ele, primeiramente examinando-o objetivamente. Depois ele nos pedirá para examiná-lo subjetivamente, e por fim em termos da Igreja.
O tema da “grandeza do poder” de Deus visto objetivamente, está na mente do apóstolo, desde o fim do capítulo primeiro da Epístola. No capítulo primeiro o apóstolo está orando sem cessar, pedindo que “tenham iluminados os olhos do seu entendimento”. Ora para que sejam iluminados a fim de “saberem qual seja a esperança da sua vocação” e “quais as riquezas da sua herança nos santos” e qual a “sobreexcelente grandeza do seu poder”. Depois ele prossegue, descrevendo esse poder em termos do poder exercido por Deus quando ressuscitou Seu Filho do túmulo – o poder da ressurreição. Esse é o poder que opera nos cristãos.
Se tão somente conhecêssemos este poder sobre nós, jamais vacilaríamos na incredulidade, em quaisquer circunstâncias. Ele já o definira como o “poder da ressurreição”. Porém aqui ele o descreve de forma diferente. Nossos mais grandiosos superlativos não descrevem o poder de Deus. Vejam como ele empilha as palavras umas sobre as outras. Primeiramente ele diz:
“Ora, àquele que é poderoso acima de todas as coisas...”
Poderíamos pensar que isso era suficiente, mas Paulo não ficou satisfeito. Ele acrescenta:
“muitíssimo mais abundantemente, além de tudo que pedimos ou pensamos”
Isso mostra a total inadequação da nossa linguagem. “além de todas as coisas”, “muitíssimo mais abundantemente além de todas as coisas”, e ainda não conseguiremos descrever o “poder de Deus”. O poder de Deus é muitíssimo mais abundante, além de todas as coisas. Assim Paulo tenta em vão dar-nos uma concepção do poder de Deus. Às vezes, em nossas orações pensamos que fomos um tanto atrevidos, e pedimos algo completamente impossível. Diz-nos o apóstolo que nunca devemos dar guarida a tais pensamentos, porque Deus pode fazer muitíssimo mais abundantemente além do que pedimos ou pensamos. Vejam como o irmão John Newton compreendeu isso, em um dos seus hinos:
Ante a um Rei vens compreender,
Grandes petições vens fazer;
Pois Sua graça e Seu poder são tais
Que ninguém pode pedir demais.
Tragam as suas mais ousadas petições, tragam os seus pedidos mais impossíveis. Não há perigo de transpor o limite – “Pois Sua graça e Seu poder são tais que ninguém pode pedir demais.” Deus não somente pode fazer mais abundantemente além de tudo que podemos pedir; pode também fazer além de tudo que podemos imaginar, de tudo que podemos pensar, de tudo que podemos suplicar com os nossos mais elevados e mais inspirados pensamentos e imaginações. Certamente o nosso maior problema é a nossa incapacidade de compreender que Deus não é como homem. Quão constantemente cometemos o pecado de limitar o poder de Deus em nossas petições e suplicas por nós mesmos! Por isso, quando nos é dito que podemos ser “cheios de toda a plenitude de Deus”, achamos que não é possível. Nosso Senhor disse aos seus discípulos em resposta da tristeza do jovem rico em Mc 10:27:
“Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível.”
Assim o apóstolo nos convidou para examinarmos a grandeza do poder de Deus objetivamente.
Sigamo-lo agora, quando ele nos pede que examinemos a grandeza do poder de Deus subjetivamente e na esfera da experiência. Com as palavras: “conforme o seu poder que opera em nós...”, entramos na esfera do subjetivo. Pode-se ouvir ou ler estas descrições maravilhosas do poder de Deus e, todavia, achar que tudo está longe e muito afastado da nossa vida e experiência diária. Soa “bom demais pra ser verdade”. Não somente pode acontecer conosco, mas de fato acontece, afirma Paulo, “conforme o seu poder que opera em nós...”. O poder do qual ele está falando, assevera-o, é o poder que já está operando em nós. É como se estivesse desafiando qualquer que, em Éfeso, estivesse duvidando do poder de Deus, e sendo tentado a achar que ele estava indo longe demais e buscando o impossível. Paulo está dizendo: olhem para vocês mesmos. Como foi que tais pessoas puderam tornar-se cristãs? Como puderam tornar-se herdeiros de Deus? Para o homem é pura impossibilidade; e contudo, vocês sabem que isso aconteceu; vocês são membros da Igreja de Cristo. E tudo isso aconteceu por causa deste mesmíssimo poder de Deus.
Ninguém pode crer por si mesmo no evangelho; somente o poder do Espírito pode levar alguém a crer; sem esse poder, estamos espiritualmente mortos, perdidos, e sob a ira de Deus. No entanto Deus pode vivificar os mortos! E Ele deu vida a vocês, os ressuscitou juntamente com Cristo e os fizera “assentar com Cristo nos lugares celestiais”. Vocês que tinham estado tão longe, tão inteiramente sem esperança, foram aproximados pelo poder de Deus. Assim, a lógica do argumento do apóstolo é que Deus pode fazer isso, pode fazer qualquer coisa, pode fazer tudo. Não há limite para tal poder.
Conhecemos este poder? Acaso este argumento sobre “o poder que opera em nós” aplica-se a você e o convence? Temos experimentado esse poder? Temos consciência do Espírito nos santificando, revelando-nos o pecado e “trazendo à luz as coisas ocultas das trevas”, explicando-lhe a Palavra de Deus? Se temos consciência disso tudo, então devemos ir adiante: ser lógico e dizer: o Deus que já fez isto por mim é um Deus que fará tudo que prometeu! Não há limite para este poder.
O argumento do apóstolo é que, se os cristãos conhecem este poder, não devem vacilar na descrença, nem duvidar, nem hesitar quando ele lhes diz que podem ser “cheios de toda a plenitude de Deus”. Assim é que o apóstolo os leva a experimentarem o poder objetivamente, e depois, subjetivamente.
Em último lugar, Paulo lhes pede que examinem a grandeza do poder como se vê e se manifesta na Igreja:
“... conforme o seu poder que opera em nós,
a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!”
Além dos argumentos propiciados pelas provas objetivas do poder de Deus e pelas nossas experiências pessoais e individuais dele (o poder de Deus), há outro poderoso argumento para levar-nos a percepção deste poder de Deus.
A Igreja cristã é um milagre! Precisamos nos lembrar que: os efésios eram gentios, estrangeiros, estavam fora da comunidade de Israel, estranhos aos concertos e às alianças da promessa. E ali estavam os judeus – com sua justiça própria, orgulhosos e nacionalistas. Uma parede de separação havia no meio, entre eles. Reconciliação de judeu e gentio? Parecia pura loucura. Era uma coisa que não podia acontecer. Contudo acontecera: (Ef 2:13-15)
“Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz,”
Não há nada que mostre tanto o poder e a glória de Deus como a Igreja. O apóstolo nos lembra isso aqui no capítulo 3:10:
“para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais,”
Não há nada que Dê tanta glória a Deus como a Igreja. Deus manifestou o Seu poder quando disse: “Haja luz”, e houve luz! As montanhas, os rios e o furioso mar, os raios e os trovões, proclamam todos a Sua glória. Como nos disse o salmista (Sl 19:1):
“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.”
Mas não há nada que tanto proclame a glória de Deus como a Igreja, o corpo cuja Cabeça é Cristo. Nada é tão maravilhoso como o fato de que homens e mulheres, como eu e você, envoltos, perdidos, e mortos em pecado, haveríamos de tornar-nos membros do corpo de Cristo. Assim, não é surpreendente que o apóstolo diga “a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus”. É tudo por intermédio dEle. O Filho glorifica o Pai, e o Filho é glorificado em nós. É o que o Senhor Jesus diz em Sua oração ao Pai em João 17:10:
“e, neles, eu sou glorificado.”
Estaremos assim manifestando a glória de Deus para todo o sempre. Tal é o poder de Deus!
Um comentário:
Glórias a Deus pelo seu grande amor, por ter nos tirado de um reino de trevas e nos transportados para o Reino da Luz, por ter nos ressuscitados juntamente com Cristo. Que nós não venhamos cometer o mesmo erros do povo de Israel no passado não crer, que possamos crer em tudo isso, pela fé, pois é a boca do Senhor que o disse.
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