segunda-feira, 23 de março de 2009

O BOM DEPÓSITO

Gino Iafrancesco (Colômbia)
A palavra chave do que estivemos olhando na revista anterior é a palavra «administração». Agora, mediante Deus, vamos passar a um segundo conceito, relacionado também com o de administração: o depósito.
Administração é o acerto administrativo de Deus, para que o que é dele e para ele, circule, e produza o efeito que Deus quer produzir. Agora, relacionado com essa administração, devemos ter consciência do depósito. Para a igreja foi encomendado nas mãos, no coração, no espírito, podemos dizer, no ventre, um depósito.
Agora, este depósito tem vários aspectos. Então, abramos a Bíblia na segunda epístola de Paulo a Timóteo, que poderíamos chamar como o testamento do apóstolo Paulo antes de morrer. E justamente por isso, por ser como uma espécie de testamento tem essa configuração de encargo, de encomenda.
Algo precioso que veio do céu para ficar na terra e produzir fruto para Deus foi encomendado aos santos da parte de Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Então, a igreja deve tomar consciência de que ela é um vaso depositário de um conteúdo riquíssimo.

Dois aspectos do depósito
E é um conteúdo que, antes de entrar em detalhe, vamos ver de maneira global em dois aspectos principais: um conteúdo interior, um conteúdo dinâmico, que podemos chamar espiritual. Esse conteúdo interior é uma essência que o Senhor converte e distribui como uma fragrância; é uma realidade espiritual. Logicamente que é mais que palavras; mas, como diz a Escritura, é algo que também falamos.
Então, vamos tomar consciência desses dois aspectos. Primeiro, o depósito, o pacote celestial que o Senhor pôs nas mãos e no espírito da igreja, como realidades espirituais, e também a sua administração falada, o ministério da Palavra, do que o Senhor nos deu.
Poderíamos relacionar o aspecto da Palavra com a ortodoxia da verdade. Logicamente, não vamos falar só da ortodoxia da verdade, mas também da verdade da ortodoxia, que é o seu conteúdo, o seu espírito. Então, esses dois aspectos, no capítulo 1 da 2ª epístola de Paulo a Timóteo, aparecem claramente nos versos 13 e 14. Vejamos como o Espírito do Senhor movia o apóstolo Paulo neste depósito e nestes dois aspectos do depósito.
O aspecto exterior também é da parte de Deus, porque o Senhor não só se encarregou do vinho, mas também do odre. O Senhor faz corresponder o vinho com o odre e o odre com o vinho. Para cuidar do vinho, ele se ocupou também do odre, porque o vinho novo em odre velho se rompe; rompe o odre e o vinho é derramado e se perde. De maneira que o Senhor, que aprecia o vinho, dá-nos o odre. Claro que um odre sem vinho seria uma tragédia, mas o Senhor se encarrega das duas coisas.
Às vezes, nós somos muito suscetíveis e dedicados somente ao odre, e nos falta o principal, que é o próprio Senhor, que é o próprio vinho. Mas o Senhor se encarregou das duas coisas, do que é de dentro e do que é de fora, porque ele é o Senhor de tudo.
«Retenhas…». O verbo que utiliza aqui é «reter». No capítulo seguinte é «guardar». Ou seja, é uma riqueza que foi confiada à igreja para ser retida e para ser guardada. Por isso, em outros contextos desta mesma carta e da carta anterior, o apóstolo fala de guardar, fala de encomenda.
Por exemplo, no final do capítulo 6 de 1ª Timóteo, no verso 20, diz: «Timóteo, guarda…». Há um conteúdo. O Senhor Jesus também fala como Paulo; diz à igreja: «Lembra-te do que tens recebido, e guarda-o», e adverte à igreja em Sardes que algumas das coisas que vieram do céu, o que foi confiado à igreja, algumas coisas foram se perdendo; essas realidades e sua expressão foram se perdendo na igreja. Então o Senhor diz: «…não tenho achado as tuas obras perfeitas».
As obras da igreja em Sardes já não eram perfeitas, porque tinha perdido algo do que lhe tinha sido confiado. A igreja deve ter um claro conhecimento espiritual, uma clara consciência de que algo específico, definido e completo lhe foi confiado desde o começo ao colégio dos apóstolos, para que dali passasse aos anciões e às igrejas. E que, ainda que o diabo tenha procurado separar esse depósito da igreja, o Espírito Santo tem velado inclusive para restaurar e recuperar a plenitude do conteúdo, e cremos que o Espírito Santo continua nessa vigilância, porque uma das suas tarefas é conduzir a igreja à toda verdade.
Então, Paulo diz: «Timóteo, guarda o que te foi encomendado…». É uma encomenda, um pacote espiritual, algo definido, algo claro, do qual eles, os primeiros depositários, tinham clara consciência, e velavam espiritualmente sobre isso. E essa mesma consciência nós devemos ter. Às vezes não temos consciência do depósito; às vezes temos gosto por algumas das coisas espirituais, das coisas cristãs, das coisas bíblicas; o que nos interessam, e estamos com elas, ruminamo-las, e outras descuidamos; mas justamente aquilo que descuidamos é onde se faz o buraco, e por aí penetra Satanás.
Por isso precisamos ter consciência de sermos juntos um vaso coletivo, a quem foi confiado algo imenso e rico, que todos devemos conservar. E não só conservar, mas também, diz Paulo que essa palavra de Deus, que é completa, tem o poder de sobreedificar na graça de Deus. Ou seja, a própria palavra de Deus vai se enriquecendo; à medida que o povo de Deus a desfruta, a Palavra vai ficando cada vez mais preciosa. Ela é a mesma de sempre, mas para nós é cada vez mais preciosa; cada vez a vemos melhor, cada vez a compreendemos melhor, podemos relacionar uma parte com outra de uma maneira melhor, porque toda ela às vezes nos esconde e às vezes nos revela o nosso Senhor.
A princípio, parece que ele está escondido na Palavra, e a princípio nem sequer relacionamos a Palavra com Cristo, e em algumas porções da Palavra não vemos ainda nada do Senhor, mas com o tempo o que é próprio dele vai aparecendo em todos os aspectos da Palavra. E todos estão relacionados em uma cosmovisão, uma visão completa que vai de eternidade a eternidade, e que apresenta o nosso Deus, a beleza do nosso Deus e Cristo, a beleza do seu Espírito, e, portanto a beleza que a igreja herda, que a igreja vai cada vez mais adquirindo na medida em que desfruta do Senhor, e a palavra do Senhor produz fruto, germina, na vida da igreja.
Então, voltando para 2ª Timóteo, vemos estes dois aspectos: o aspecto da ortodoxia da verdade, e o da verdade ou realidade espiritual da ortodoxia. Os dois, intimamente ligados, um no 13 e outro no 14.
«Retenha a forma das sãs palavras que de mim ouviste, na fé e amor que há em Cristo Jesus» (2ª Tim. 1:13). Nessa frase é manifestado o cuidado do Espírito em relação à ortodoxia da verdade – a forma das sãs palavras. Há umas palavras, que foram inspiradas pelo Espírito, que transmitem a verdade, e essas palavras é o que estamos chamando a ortodoxia, que poderíamos identificar com o Novo Testamento como cumprimento ou realização do Antigo Testamento.
Poderíamos dizer que a Bíblia é o conteúdo da ortodoxia, mas logicamente não é só uma ortodoxia seca, meramente doutrinária, intelectual e externa, ainda que também implica. Deus fez o ser humano completo; cada parte do ser humano tem a sua função, e cada função tem que estar integrada, sujeita à cabeça que é Cristo. Assim que a doutrina tem também que sujeitar-se a Cristo. Os assuntos doutrinários, teológicos, ideológicos, também devem expressar a Cristo. Esse é um aspecto do que Deus criou no homem, e deve submeter-se a Cristo.
Mas antes de terminar o verso 13, já começa a transitar para o conteúdo interior. Começa a dizer que essa forma das sãs palavras, de onde vem essa expressão que também é paulina, sã doutrina, começa a mostrar que não é algo meramente exterior, não somente uma correção doutrinária, não somente uma teologia correta. Paulo diz que essas palavras são «na fé e amor que há em Cristo Jesus». Cristo Jesus é a realidade da fé e a realidade do amor. Paulo dizia: «A vida que agora vivo, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e a si mesmo se entregou por mim». Ele não diz a fé no Filho, mas a fé do próprio Filho.
Paulo fala da fé do Filho. Ou seja, que essas palavras são palavras na fé, muito diferentes das simples palavras, as repetições de papagaios. Os papagaios também dizem palavras; eles poderiam aprender o credo de Nicéia e repeti-lo de cor. Mas não é só essa a correção que o Senhor espera, a vigilância que ele espera de sua igreja quanto ao depósito. Os santos não são papagaios, mas filhos e filhas de Deus, nascidos de mistério, por um elemento celestial que desceu do céu e que enche as palavras e o testemunho da igreja, e que é o que precisam as pessoas que têm que receber o testemunho.
As pessoas precisam ser tocadas pelo Espírito da Palavra. Nós também necessitamos a realidade da Palavra, e esse é o trabalho do Espírito Santo – lhe dar substantividade, realidade à Palavra, e passar essa realidade a nós através da fé, pois estas palavras são realidade na fé e no amor.
Graças a Deus que em Cristo existe a fé e existe o amor, e as palavras do Senhor nunca estão separadas da fé. Por isso Paulo dizia que ele, primeiro, antes de falar, teve que crer. Diz: Cri que as promessas de Deus são verdadeiras, cri que o que Deus diz é verdade. Creio que o Senhor é fiel à sua Palavra; creio que o seu Espírito Santo está aí, para substantivar, para sustentar as promessas de Deus com fidelidade, e realizar o que só ele pode realizar.
Mas Paulo cria; por isso, ele disse: «Cri, por isso falei». Então, as palavras, a forma das sãs palavras, a sã doutrina de Cristo e dos apóstolos, não é só uma ortodoxia. Elas são na fé e são no amor, e a fé e o amor também são em Cristo, e são um presente. Graças a Deus, que Deus nos libertou da necedade de ter que imitar a fé ou imitar o amor. Deus sabe que nós, em nós mesmos, não temos nem fé nem amor; mas ele se encarregou de nos dar fé, um dom de Deus, e derramar o amor pelo Espírito. Isso é um primeiro trabalho de Deus o Pai, do Filho e do Espírito Santo: dar-nos a fé e derramar o seu Espírito de amor. E isto, Deus faz.
Graças a Deus, porque já nos encontramos com Deus. Deus já nos alcançou, já nos tocou, o celestial já entrou em nosso espírito, e agora estamos conhecendo uma realidade pela fé, uma realidade espiritual que transcende o que os nossos olhos vêem e os nossos ouvidos ouvem, porque estamos diante do Senhor, crendo em sua palavra. Não estamos diante de homens, nem estamos considerando a Bíblia como palavra meramente de homens.
As palavras do Senhor Jesus são o falar de Deus; as palavras dos apóstolos não são de homens, são a mesma administração que vem do céu, do Pai pelo Filho e agora pelo Espírito, através dos apóstolos, através do Novo Testamento. Essas palavras nos tem tocado. No princípio, nem entendíamos o que líamos, mas pouco a pouco começamos a entender. E aí entrou a nova vida em nosso ser, em nosso ventre espiritual, e esse menino começou a formar-se no ventre da igreja. Cristo começou a crescer na mulher que tem dores de parto. Mas Cristo já está se formando nela, e essas são coisas de fé, de fé e de amor.
«Retenha…». Paulo não diz reter somente a fé, mas inclusive «a forma das sãs palavras… na fé e amor que há em Cristo Jesus». Temos que reter não só as sãs palavras, mas também a fé e o amor dessas palavras, porque as palavras de Deus são em fé e são em amor. E assim temos que retê-las, e são parte do depósito. Assim na última frase do verso 13, já nos deslocamos para a realidade interior; da forma das sãs palavras, descobrimos que essas sãs palavras são na fé, são no amor, e a fé e o amor são em Cristo.
Então, Paulo repete de novo, como é o estilo hebraico de repetir as coisas, uma frase e logo outra, e passa ao verso 14 já completamente dentro, atrás do véu. Diz: «Guarda…», que é como a «Retenha…». «Guarda o bom depósito». E agora nos diz qual é o segredo para poder guardar, para reter a frescura da palavra de Deus. Porque às vezes nós na mera ortodoxia exterior fazemos como papagaios, aprendemos o credo correto, mas desvinculado da fé e do amor, desvinculado da dependência do Senhor. Trasladamos do Senhor outra vez para nós mesmos. Já não sabemos as coisas, então as repetimos sem dependência do Senhor, sem atender a ele no espírito, sem nos voltarmos no espírito para ele.
Mas Paulo diz: «Guarda o bom depósito pelo Espírito Santo, que habita em nós». Esse já é um fato – o Espírito Santo já habita em nós, e ele não está ocioso, e uma de suas funções é nos ajudar a guardar o bom depósito, fazer permanecer a palavra do Senhor fresca.
O Espírito Santo, e somente o próprio Espírito Santo é a frescura da palavra de Deus. Por isso, sempre temos que sair de nós, nos tornarmos para o Senhor e solicitar o seu toque, para que ele, em sua fidelidade, nos renove outra vez a frescura do Espírito. O irmão Orville Swindoll há muitos anos em Buenos Aires compartilhou uma mensagem que ele intitulou «Para uma renovação constante», justamente enfatizando este segredo.
Qual era o segredo de uma renovação constante? A vida religiosa às vezes entra em uma inércia, e nos acostumamos a fazer as coisas sem depender do Senhor. Até a própria oração pode tornar-se algo rotineiro, algo apenas de postura; é como se fosse um dever que, como cristãos, devemos obedecer. Então, temos que orar, temos que ler a Bíblia, temos que pregar, e vamos fazendo muitas coisas por rotina ou por inércia. E assim as coisas vão morrendo, porque a realidade das coisas é o Espírito, e o Espírito habita em nós.
E é uma grande necedade nossa que, tendo o Espírito Santo morando em nós, nós não atentamos para o Espírito Santo, não nos voltamos para ele, não lhe tocamos a porta e lhe dizemos: ‘Senhor, não quero dar um passo se não estiver comigo’. Como Moisés dizia: «Senhor, se tu não fores conosco, não nos tire daqui, nos deixe aqui tranqüilos. O que nós vamos fazer lá? Se não fores conosco, não nos tire daqui».
Mas o Senhor prometeu ir conosco, prometeu estar conosco todos os dias, até o fim do mundo, e a fidelidade dele não depende da nossa excelência, porque ninguém é excelente, a não ser o Senhor. Nós somos frágeis, pessoas más, totalmente corruptas, capazes de qualquer barbaridade, e por isso mesmo temos que estar nos voltando para o Senhor. ‘Senhor, não me deixe solto como um cão raivoso, porque eu vou causar um dano em sua vinha. Tenha misericórdia, Senhor, guarda-me! Mantenha-me crucificado, porque eu mesmo não me sinto crucificado se não for pelo poder da tua cruz’.
Por isso, necessitamos que o Senhor, constantemente, esteja nos retendo na cruz e ao mesmo tempo esteja nos ajudando. E ele está completamente tendo prazer de fazer isto, porque isso é o que ele quer fazer, é o que ele é capaz de fazer, e ele deseja poder fazê-lo. Então, é por meio do Espírito Santo que guardamos o bom depósito.
O bom depósito se refere ao dispensar-se de Deus, a administração do próprio Deus. Há a administração de Deus, da multiforme graça de Deus, dos mistérios de Deus; mas nessa administração Deus tem que estar, tem que estar o Espírito. Essa é a diferença fundamental entre o Antigo Testamento, o antigo pacto, que era o da mera letra, que era o dos mandamentos, mas que não tinha nada haver conosco, que estava fora de nós, em tábuas de pedra, em rolos, nos filactérios, nas paredes e nas vergas das portas, mas não estava em nosso espírito.
Mas, no Novo Testamento, o Senhor, em sua bondade, decidiu nos dar a seu Filho. O verbo é «dar». Não nos vendeu; nunca teríamos podido pagar, nunca teríamos condições de merecer, mas Deus deu a seu Filho; deu-nos vida quando estávamos mortos; deu-nos o espírito, que é um dom; deu-nos a fé, deu-nos tudo.
Então, como o temos, senão somente crendo nele? Contando com ele, contando que ele é fiel e nos ajudará. E essa deve ser a nossa dependência constante. ‘Senhor, se tu queres fazê-lo, tu o farás. Se quiser que eu esteja ali, amém, mas tu tens que estar, porque se não, o que eu faço sozinho? Tu tens que estar’. E ele o faz, e ele sempre está com a igreja, sempre está com cada um de nós, porque ele é fiel.
Ele quer fluir, mas às vezes nós o ofendemos; então, com essas retrações e contrações do Espírito, ele vai corrigindo, para que não sejamos ofensivos em sua presença. Nossa jactância o ofende; nosso menosprezo a outros o ofende. Qualquer atitude nossa que não é própria, ele tem que assinalá-la, para que nós possamos estar a seus pés, e quanto mais escondidos e desaparecidos, melhor, e enquanto olharmos para ele, muito melhor. Por isso, mediante o Espírito, o depósito, a frescura de toda a palavra de Deus, de toda a visão que foi confiada, mantém-se fresca. (Continuará).

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