Através da Oração
Madame Guyon
CAPÍTULO 6: Abandono
Neste ponto, devemos começar a Abandonar
e a Entregar toda a nossa
existência a Deus, com a forte e positiva convicção, que as ocorrências
momentâneas resultam de sua vontade imediata e permissão, e são exatamente o
que o nosso estado necessita. Tal convicção nos fará sentir felizes com todas
as coisas; nos fará considerar tudo o que acontece, não do ponto de vista da
criatura, mas do ponto de vista de Deus.
Mas, queridos e amados, quem quer que queira se entregar sinceramente a
Deus, eu vos imploro a não se retirarem após terem feito a doação; lembrem-se:
um presente dado não mais está à disposição de quem o deu.
O abandono é uma questão de grande importância para o progresso; é a chave
para a corte interior, de modo que aquele que sabe verdadeiramente se
abandonar, rapidamente atinge a perfeição. Devemos, portanto, continuar firmes
e imóveis, sem dar ouvidos à razão natural. Uma grande fé produz grande abandono;
devemos confiar em Deus, "esperando contra toda esperança" (Rm
4,18).
Abandono é perder os cuidados egoístas, para que possamos estar todos ao
dispor divino. Todos os cristãos são exortados ao abandono, pois é dito: "De
fato, são os gentios que estão à procura de tudo isso:
o vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas." (Mt
6,32). "em todos os teus caminhos, reconhece-o, e ele endireitará as
tuas veredas" (Pr 3,6). "Recomenda a Iahweh tuas obras, e teus
projetos irão se realizar" (Pr 16,3). "Entrega teu caminho a
Iahweh, confia nele, e ele agirá" (SI 37,5).
Portanto, o abandono deve ser tanto ao que diz respeito as coisas internas
como externas; abandonar absolutamente todas as preocupações nas mãos de Deus,
esquecendo de nós e lembrando somente Dele, por quem o coração permanecerá
sempre desimpedido, livre e em paz.O abandono é praticado com o contínuo abandonar da vontade própria na
vontade de Deus; renunciando toda inclinação particular, tão logo surja e por
melhor que possa parecer, a fim de permanecermos indiferentes com relação a nós
mesmos, desejando apenas aquilo que Deus tem desejado desde toda eternidade;
nos resignando em todas as coisas, tanto do corpo como da alma, temporária ou
eternamente; esquecendo o passado, deixando o futuro para a Providência e
devotando o presente a Deus; estejamos satisfeitos com o momento presente, que
traz consigo a ordem eterna de Deus; trata-se de uma infalível declaração da
Sua vontade, na medida em que é inevitável e comum a todos; que nada do que nos
aconteça seja atribuído à criatura, mas a Deus; vejam todas as coisas, exceto
os nossos pecados, como infalivelmente procedentes de Deus.
Entreguem-se, então, à orientação e a disposição de Deus, tanto no que se
refere ao estado exterior, como interior.
Experimentando as Profundezas de Jesus
Cristo
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CAPÍTULO 7: Abandono e Sofrimento
Sejam pacientes diante de todo sofrimento; se o amor por Deus é puro, não
irão procurá-Lo menos no calvário do que no Tabor; certamente Ele deve ser mais
amado nos momentos difíceis do que em outros, já que foi no Calvário que deu a
maior demonstração de amor.
Não sejam como aqueles que se doam em um momento e se retiram em outro.
Estes se doam apenas para serem acariciados e se arrancam quando são
crucificados, ou buscam o consolo das criaturas.
Não, queridas almas, não há consolo em nada senão no amor da cruz e no
total abandono;quem não experimenta a cruz, não experimenta as coisas de Deus
(veja Mt 16,23). É impossível amar a Deus sem amar a cruz; um coração que
experimenta a cruz, considera as coisas mais amargas uma doçura: "Garganta
saciada despreza o favo de mel, garganta faminta acha doce todo amargo'" (Pr
27,7); pois, ela tem fome de Deus, na proporção de sua fome pela cruz. Deus nos dá a
cruz e a cruz nos dá Deus.
É preciso ter a convicção de que há um avanço interno, quando há um
progresso no caminho da cruz; o abandono e a cruz andam de mãos dadas.
Tão logo lhe seja apresentado algo na forma de sofrimento, provocando uma
certa repugnância, resigne-se a Deus imediatamente, oferecendo-se a Ele em
sacrifício: você irá descobrir então que quando a cruz chegar, não será tão
difícil de carregar, pois você a desejou. Isso não nos impede de sentir o seu
peso, como alguns acreditam; pois quando não sentimos a cruz, não sofremos. A
sensibilidade de sofrer é uma das principais partes do sofrimento em si. Jesus
Cristo escolheu enfrentar seu maior rigor. Normalmente suportamos a cruz na
fraqueza, às vezes na força; tudo deve ser semelhante para nós na vontade de
Deus.
Experimentando as Profundezas de Jesus
Cristo
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Madame Guyon
CAPÍTULO 8: Abandono e Revelação
O objetivo deste método é o de eliminar a existência de mistérios gravados
na mente; mas, caso isso ocorra, que seja um meio peculiar de compartilhá-los
com a alma. Jesus Cristo, a quem nos abandonamos e a quem seguimos como sendo o
Caminho, a quem ouvimos como sendo a Verdade e sendo aquele que nos anima como
a Vida (Jo 14,6), ao se impregnar na
alma, imprimi ali as características destes diferentes estados. Carregar todos
os estados de Jesus Cristo, é algo muito maior do que simplesmente meditar
sobre eles. São Paulo carregou em seu corpo os estados de Jesus Cristo, "Doravante
ninguém mais me moleste; Pois eu trago em meu corpo as marcas de Jesus" (Gl
6,17), mas ele não diz imaginar tais estados.
Neste estado de abandono, Jesus Cristo freqüentemente comunica algumas
visões peculiares ou revelações de seus estados, o que se deve aceitar
agradecidamente; é preciso se colocar à disposição daquilo que parece ser a Sua
vontade; receber igualmente qualquer forma que Ele possa usar e não ter outra
escolha senão a de buscá-Lo ardentemente, de habitar sempre com Ele e de
mergulhar no nada diante Dele; aceitar indiscriminadamente todas as suas
dádivas, sejam elas obscuridades ou iluminação; fecundidade ou infertilidade;
fraqueza ou força; doçura ou amargor; tentações, distrações, dores, exaustão ou
incerteza, e que nada disso retarde o nosso curso, nem por um minuto.
Deus compromete alguns, por vários anos, na contemplação e na
experimentação de um único mistério; sua simples visão ou contemplação recolhe
a alma; que sejam fiéis a este momento; mas, tão logo Deus queira retirar esta
visão da alma, aceitem livremente a privação. Algumas privações são penosas
diante da dificuldade de meditar sobre certos mistérios; mas não há motivos
para tal dificuldade, já que um apego amoroso a Deus inclui todo tipo de
devoção e aquele que se encontra tranqüilamente unido a Deus, está, de fato,
perfeita e efetivamente aplicado a cada mistério divino. Quem ama a Deus, ama a
tudo o que lhe pertence.
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