domingo, 14 de abril de 2013


Quem são os companheiros de Cristo
(Theodore Austin-Sparks)

Nos manuscritos mais antigos, o título da Epístola aos Hebreus é simplesmente: «Aos hebreus», mas entendemos que isso se refere aos cristãos hebreus, ou aos cristãos que eram naturalmente hebreus.
Devemos entender o pano de fundo da carta nos tempos do Novo Testamento. Sabemos da grande batalha que foi travada então entre judeus e cristãos. O apóstolo Paulo, que era ele próprio um grande hebreu, tinha um coração muito grande para o seu próprio povo. Recordem que ele disse: «Porque desejara eu mesmo ser anátema, separado de Cristo, por amor a meus irmãos, os que são meus parentes segundo a carne» (Rom. 9:3).
Ele estava preparado para deixar tudo se tão somente o seu povo aceitasse ao Senhor Jesus, tão grande era o seu desejo e sua esperança a favor deles. Mas ele lutou uma batalha perdida para com Israel, e no último capítulo do livro dos Atos vemos a rendição de Paulo a essa esperança: «Saibam, pois, que aos gentis é enviada esta salvação de Deus; e eles a ouvirão» (Atos. 28:28). Com efeito, ele disse: «Vendo que Israel não ouvirá, os deixamos. Abandono a minha grande esperança por eles e me volto para aqueles que ouvem – os gentios».
Então, no final da epístola aos Hebreus, temos o resultado da rejeição de Israel. O escritor faz esta súplica a aqueles cristãos hebreus: «Vede que não desprezeis ao que fala. Porque se não escaparam aqueles que desprezaram ao que os admoestava na terra, muito menos nós, se desprezarmos ao que admoesta dos céus… E esta frase: Ainda uma vez, indica a remoção das coisas abaláveis, como coisas feitas, para que fiquem as inabaláveis. Assim, recebendo nós um reino que não pode ser abalado…» (Heb. 12:25, 27, 28).
Estas palavras contêm o juízo final sobre os hebreus que rejeitaram a Cristo. Essa «remoção» se refere, em primeiro lugar, à destruição que veio sobre Israel no ano 70 D.C., e quando isso aconteceu Israel foi deixado sem território, sem cidade, sem templo e sem governo. Tudo foi sacudido até que caiu totalmente, como resultado de rejeitar em ouvir «o que admoesta dos céus».
É neste panorama que temos a carta aos Hebreus. Por um lado, é uma apelação final aos cristãos hebreus para não desprezar a Jesus Cristo; por outro lado, a carta é uma grande advertência quanto ao que acontecerá se eles a ignorarem. Temos que pôr a carta neste cenário; ela é escrita em uma grande crise da vida espiritual, e, é obvio, contém uma mensagem válida para qualquer época. Vejamos brevemente as três características que desembocaram nesse grande conflito e essa divisão final.
 
Causas da divisão final
A primeira característica era o próprio Cristo como o Messias, Jesus como o Cristo. É obvio, os judeus criam em um Cristo, porque Cristo é apenas a palavra grega para o Messias hebreu. Mas eles não aceitaram a Jesus como o Messias, e por isso, como foi profetizado, ele veio a ser a pedra sobre a qual caíram e foram esmiuçados. Era um assunto do lugar que eles deram a Jesus.
Vocês podem ver em que lugar preeminente esta carta põe a Jesus. Jesus é o Filho ungido de Deus, o Cristo, a Rocha sobre quem eles foram quebrantados. Esse foi o primeiro grande fator no conflito e na divisão final.
Devemos recordar sempre que a prova de tudo é o lugar que se dá a Jesus Cristo. Se alguém vier a você pretendendo que aceite certo sistema de ensino, com maravilhosos argumentos e usando muito a Bíblia, o que você fará a respeito? Você pode não ser capaz de refutar as suas ideias e pode inclusive não ser capaz de responder a Escritura com a Escritura; mas há uma coisa que irá sempre ao coração do assunto: Qual o lugar que você dá ao Senhor Jesus Cristo? Dá-lhe o lugar do Filho eterno de Deus?
Tudo se afirma ou cai sobre isso. Você pode tentar, e achará que a maior parte dos falsos mestres começará a evitar o ponto. «Oh, cremos em Jesus como um grande homem, como o maior mestre que jamais viveu», e assim sucessivamente. «Mas se você quiser que creiamos que Jesus é Deus, bem, não podemos aceitar isso». O lugar dado ao Senhor Jesus é a prova de tudo. Esse é o primeiro fator neste grande conflito na carta aos hebreus, e você verá por que o escritor utiliza a totalidade da primeira parte para magnificar o Senhor Jesus.
A segunda característica é o que o escritor chama aqui a «vocação celestial», e você tem que pôr toda a ênfase sobre essa palavra «celestial». Vejam, os hebreus procuravam uma chamada terrestre, e todos os que são como eles, embora se denominem a si mesmos cristãos, só desejam uma chamada terrestre, um cristianismo que pertence a esta terra e a este mundo. Vamos ampliar isto mais adiante, mas há um tremendo significado nesta pequena frase, «a vocação celestial».
Em seguida, há uma terceira característica. Estes hebreus eram preparados para ser cristãos, mas devia ser uma fé segundo a sua própria mente, um cristianismo que permitisse que o sistema do Antigo Testamento continuasse. Devia permitir que Moisés e toda a lei de Moisés continuassem, e que o templo e os sacerdotes do Antigo Testamento continuassem, e que todos os sacrifícios continuassem. «Estamos preparados para ser cristãos se você nos deixar introduzir nosso Antigo Testamento no cristianismo; mas se você disser que tudo isso acabou e um sistema celestial tomou o seu lugar, então não podemos receber isso». Eles queriam que o sistema judeu entrasse no cristianismo, quer dizer, um cristianismo de ritual e de forma.
Você vê a força desta expressão «participantes da vocação celestial» – companheiros de Cristo? Estes companheiros de Cristo são aqueles que são constituídos de novo sobre uma base celestial e espiritual. São os que estão respondendo a uma chamada celestial.
 
Rejeitaram transitar para o Israel celestial
Agora chegamos ao ponto da transição do Israel natural e terrestre ao novo Israel espiritual e celestial. Esta transição deveria ter ido em uma sequência divina, um dando passagem tranquilamente ao outro. O antigo deveria ter dado pleno espaço para o novo. O velho Israel deveria ter morrido, sido sepultado e levantado outra vez em Cristo e convertido no Israel celestial –os companheiros de Cristo– mas eles rejeitaram aceitar algo assim.
E, quando rejeitaram aquilo, eles foram postos de lado. Deus só se move com o seu propósito concernente a seu Filho, e, embora muitos fossem chamados, poucos foram escolhidos. Houve uns poucos de Israel que foram escolhidos como companheiros, mas muitos dos chamados recusaram, e assim eles foram rejeitados, e Deus se moveu nesta transição para o seu novo Israel celestial.
Notem que eles rejeitaram realmente mover-se para o terreno celestial, recusaram mover-se para o terreno do Homem celestial. Portanto, como consequência, eles tomaram o caminho de Adão – e aqui há uma coisa muito interessante e instrutiva.
Adão foi criado por Deus, eleito por Deus e chamado por Deus em relação ao seu propósito referente ao seu Filho, mas quando Adão foi criado, ele não era perfeito – era inocente, mas não era perfeito. Você sabe a diferença entre ser inocente e ser perfeito. Um pequeno bebê é inocente, mas não é perfeito. Ele tem que crescer, amadurecer e chegar a ser perfeito passando através de toda sorte de dificuldades e problemas. Esse é o caminho em que um menino inocente se transforma em um homem adulto.
Adão era inocente como um menino pequeno. Era muito formoso, sem pecado, mas não era perfeito. Ele tinha que chegar à perfeição espiritual, ainda tinha que ser feito como o Filho de Deus. Para isso tinha sido criado. Deus permitiu que ele fosse provado, e, Oh, que maravilhoso teria sido se Adão tivesse passado sua prova vitorioso! Da inocência de um menino ele teria sido feito um homem espiritual maduro, como o Senhor Jesus humano, e os filhos de Adão teriam sido pessoas muito distintas. Mas falhou em sua prova e não tomou o rumo ao qual Deus o tinha chamado. O que Deus fez? Desprezou a Adão. Ele pôs uma maldição sobre ele e disse: ‘Este tipo de ser nunca poderá me satisfazer. Ele recusou tomar o caminho do meu Filho’.
Isso é exatamente o que aconteceu a Israel depois. Deus fez a Israel, escolheu a Israel e chamou a Israel – tudo com seu Filho em mente. E Israel rejeitou ir da maneira de Deus. Israel foi provado em relação a Jesus Cristo – os quatro evangelhos estão cheios de Israel sendo provado com referência a Jesus Cristo, e todos eles se fecham com Israel dizendo «Não!» ao caminho de Deus. Então, Deus fez com Israel o mesmo que tinha feito com Adão – os pôs de lado. Ele pôs uma maldição sobre eles e por muitos séculos essa maldição permaneceu sobre Israel.
Como vocês veem, nesta carta é apresentada essa possibilidade. Deus está dizendo aos cristãos hebreus que não rejeitem a aquele que falou do céu. Mas aqui está o outro lado da história. Israel rejeitou a chamada celestial de Deus… e justo nesse ponto é revelado o plano eterno de Deus, quer dizer, um povo celestial com uma natureza espiritual ocupando um lugar na criação de Deus. Isso é o que Deus planejou eternamente. Ele pensou isso antes de chamar Israel, e ele chamou Israel para ser esse povo – um povo celestial com uma natureza espiritual.
 
O plano de Deus é ter um povo celestial
O ponto é que justo aqui, quando Israel recusa, Deus apresenta seu plano eterno, que é um povo celestial de uma natureza espiritual. A totalidade do Novo Testamento é o corpo de verdade que se refere a esta vontade eterna de Deus. Vejamos isto rapidamente, olhando nos quatro evangelhos.
Se você tomar a Mateus, Marcos, Lucas e João e tem alguma ideia global do seu conteúdo, por detrás deles poderá ver duas linhas de movimento passando através deles. Estes dois movimentos correm de forma paralela. Por um lado, está a ideia judaica do Messias e a ideia judaica do reino de Deus. O conjunto do sistema judeu está ali. Junto a isso, e em contraposição, há algo diferente. Está a ideia de Deus, a ideia celestial, do Messias, que é muito diferente da ideia judaica e está sempre em conflito com ela.
Existe a ideia judaica do rei, que corre por uma via ao longo dos quatro evangelhos – que tipo de rei eles desejam e estão determinados a ter. Junto a esta ideia, e por sobre ela, está a ideia de Deus, a ideia celestial, de um rei: «Eis aqui seu rei virá a ti … humilde, e cavalgando sobre um jumento» (Zac. 9:9). Essa não é a ideia judaica de um rei! Como pode um homem manso, cavalgando sobre um jumento, vencer ao poderoso império romano? Essa não era a ideia deles a respeito de um rei. «Não queremos que este reine sobre nós» (Luc. 19:14).
Assim, vemos as duas linhas que esboçam os quatro evangelhos: a ideia hebreia e a ideia celestial. Esse é o verdadeiro significado dos evangelhos. Quando chegamos ao final deles, vemos a ideia judaica rejeitada definitivamente por Deus e, por outro lado, a ideia de Deus introduzida e estabelecida para sempre. Dois mil anos provaram isso. O sistema terrestre se foi e não houve nada dele por dois mil anos. No outro lado está a ideia de Deus a respeito de Seu reino. Esta foi introduzida quando Israel foi rejeitado, e Deus esteve avançando nela por dois mil anos. Nós temos o Rei de Deus, estamos no reino de Deus, e estamos sob o governo de Deus.
Isso é o que nos dizem os quatro evangelhos. É obvio, isso não é tudo, mas essa é a conclusão geral dos quatro evangelhos. Veremos depois os detalhes, pelo menos em um dos evangelhos, que demonstram o quão real é isso. Os quatro evangelhos mostram a rejeição de Deus aos que rejeitaram a seu Filho, e por outro lado, mostram a Deus tomando o que está de acordo com o Seu Filho e estabelecendo-o para sempre de modo que as próprias portas do inferno não puderam prevalecer contra isso.
Ao nos mover dos evangelhos ao livro de Atos, temos aqui duas características. Primeiro, temos a característica da transição do velho para o novo. Com Deus, a transição é completa, mas com o seu povo foi feita gradualmente, porque eles não estavam preparados para aceitá-la. Foi mais lenta do que deveria ter sido porque Tiago, a cabeça da igreja em Jerusalém, ainda desejava ter algo do velho Israel, e até Pedro era muito relutante a abandonar Israel e ir para os gentios. E o amado Barnabé foi preso nessa armadilha. Paulo diz, com pesar em seu coração: «…até Barnabé» (Gál. 2:13).
Estes, que vinham da velha tradição, eram muito lentos para abandonar a sua tradição, mas vemos que Deus seguia avançando – «Tiago, Pedro, ou quem quer que seja, se você não vier e caminhar de acordo comigo, te deixarei para trás e encontrarei a outros». E no momento que eles se encontravam tão lentos, ele achou a Paulo – e Paulo fez que tudo avançasse. A transição foi completa com Paulo; ele foi instrumento de Deus para conclui-la. A carta aos Gálatas é o instrumento pelo qual essa transição foi concluída. O judaísmo na igreja cristã recebeu um golpe fatal com essa carta.
Passamos do livro de Atos para as cartas, as «Epístolas», e aqui temos simplesmente o corpo completo do ensino referente à natureza divina e espiritual do povo de Deus. Isto se aplica a uma variedade inteira de conexões. Há um estado de coisas em Corinto, outro estado de coisas na Galácia, outro em Éfeso, e assim sucessivamente. Mas esta única coisa é aplicada a todas estas diversas condições – é intenção de Deus ter um povo celestial e espiritual. Todas as cartas foram aplicadas a diversas situações com esse único objetivo na visão. Cada carta no Novo Testamento tem algo a dizer sobre a natureza celestial do povo de Deus.
 
Hebreus: a reunião dos afluentes da revelação de Jesus Cristo
Chegamos à epístola aos Hebreus, e esta carta assume um lugar muito, muito importante em todo este assunto, como um resumo do Novo Testamento em conjunto. Nela se reúne todo o significado do Novo Testamento, e a ela fluem os afluentes, fazendo-a o ponto de encontro de toda a revelação de Deus referente a seu Filho Jesus Cristo.
Qual é o propósito de Deus com respeito a seu Filho? «portanto, irmãos santos, participantes da vocação celestial…». Tornamos-nos companheiros de Cristo. Quais são os companheiros de Cristo? Aqueles que deixaram totalmente o âmbito das coisas terrestres e se uniram ao Senhor celestial; os que se tornaram o Israel espiritual de Deus, os que responderam à chamada celestial.
Paulo clamou, quando estava em sendo provado: «Pelo qual, Oh rei Agripa, não fui rebelde à visão celestial» (Atos. 26:19). Se Paulo foi um grande companheiro de Jesus Cristo, é porque ele tinha acabado absolutamente com tudo, menos Jesus Cristo. «Certamente, até estimo todas as coisas como perda pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor» (Flp. 3:8). Ele era um homem que estava por completo no terreno de Jesus Cristo, inteiramente no terreno do propósito celestial de Deus. Estes são os companheiros de Jesus Cristo.
Há muitos crentes jovens aqui que talvez não conheça a Bíblia tão bem como os cristãos mais antigos e não conhecem toda a profundidade da Bíblia do qual estive falando. Espero que isto faça com que desejem conhecer melhor a sua Bíblia. Talvez muito do que foi dito vocês não entendam, mas vocês compreenderão tudo à medida que avançarem, se retiverem a sua firmeza do princípio até o fim. Se realmente se comprometerem com o Senhor Jesus, vocês chegarão a entender.
Quero que vocês compreendam que têm um Cristo muito maior que aquele que jamais tenham imaginado. O Cristo a quem vocês se entregaram é um Cristo muito grande. A chamada do Senhor ao qual vocês responderam aceitando ao Senhor Jesus é o chamado muito maior do qual vocês tenham conhecimento. Só gostaria que vocês saíssem com esta impressão: «Oh, isto é algo grande! Isto é suficiente para encher a minha vida inteira».
Não se preocupem a respeito daquilo que vocês não entendem, mas compreendam quão grande Senhor é o seu Senhor, e que grande coisa é a chamada celestial.
Fonte: Charis - O correio da graça.

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