Quem são os companheiros de Cristo
(Theodore Austin-Sparks)
Nos manuscritos mais antigos, o título da
Epístola aos Hebreus é simplesmente: «Aos
hebreus», mas entendemos que isso se refere aos
cristãos hebreus, ou aos cristãos que eram
naturalmente hebreus.
Devemos entender o pano de fundo da carta nos
tempos do Novo Testamento. Sabemos da grande
batalha que foi travada então entre judeus e
cristãos. O apóstolo Paulo, que era ele próprio
um grande hebreu, tinha um coração muito grande
para o seu próprio povo. Recordem que ele disse:
«Porque desejara eu mesmo ser anátema,
separado de Cristo, por amor a meus irmãos, os
que são meus parentes segundo a carne» (Rom.
9:3).
Ele estava preparado para deixar tudo se tão
somente o seu povo aceitasse ao Senhor Jesus,
tão grande era o seu desejo e sua esperança a
favor deles. Mas ele lutou uma batalha perdida
para com Israel, e no último capítulo do livro
dos Atos vemos a rendição de Paulo a essa
esperança: «Saibam, pois, que aos gentis é
enviada esta salvação de Deus; e eles a ouvirão»
(Atos. 28:28). Com efeito, ele disse: «Vendo que
Israel não ouvirá, os deixamos. Abandono a minha
grande esperança por eles e me volto para
aqueles que ouvem – os gentios».
Então, no final da epístola aos Hebreus, temos o
resultado da rejeição de Israel. O escritor faz
esta súplica a aqueles cristãos hebreus:
«Vede que não desprezeis ao que fala. Porque se
não escaparam aqueles que desprezaram ao que os
admoestava na terra, muito menos nós, se
desprezarmos ao que admoesta dos céus… E esta
frase: Ainda uma vez, indica a remoção das
coisas abaláveis, como coisas feitas, para que
fiquem as inabaláveis. Assim, recebendo nós um
reino que não pode ser abalado…» (Heb.
12:25, 27, 28).
Estas palavras contêm o juízo final sobre os
hebreus que rejeitaram a Cristo. Essa «remoção»
se refere, em primeiro lugar, à destruição que
veio sobre Israel no ano 70 D.C., e quando isso
aconteceu Israel foi deixado sem território, sem
cidade, sem templo e sem governo. Tudo foi
sacudido até que caiu totalmente, como resultado
de rejeitar em ouvir «o que admoesta dos
céus».
É neste panorama que temos a carta aos Hebreus.
Por um lado, é uma apelação final aos cristãos
hebreus para não desprezar a Jesus Cristo; por
outro lado, a carta é uma grande advertência
quanto ao que acontecerá se eles a ignorarem.
Temos que pôr a carta neste cenário; ela é
escrita em uma grande crise da vida espiritual,
e, é obvio, contém uma mensagem válida para
qualquer época. Vejamos brevemente as três
características que desembocaram nesse grande
conflito e essa divisão final.
Causas da divisão final
A primeira característica era o próprio Cristo
como o Messias, Jesus como o Cristo. É obvio, os
judeus criam em um Cristo, porque Cristo
é apenas a palavra grega para o Messias
hebreu. Mas eles não aceitaram a Jesus como o
Messias, e por isso, como foi profetizado, ele
veio a ser a pedra sobre a qual caíram e foram
esmiuçados. Era um assunto do lugar que eles
deram a Jesus.
Vocês podem ver em que lugar preeminente esta
carta põe a Jesus. Jesus é o Filho ungido de
Deus, o Cristo, a Rocha sobre quem eles foram
quebrantados. Esse foi o primeiro grande fator
no conflito e na divisão final.
Devemos recordar sempre que a prova de tudo é o
lugar que se dá a Jesus Cristo. Se alguém vier a
você pretendendo que aceite certo sistema de
ensino, com maravilhosos argumentos e usando
muito a Bíblia, o que você fará a respeito? Você
pode não ser capaz de refutar as suas ideias e
pode inclusive não ser capaz de responder a
Escritura com a Escritura; mas há uma coisa que
irá sempre ao coração do assunto: Qual o lugar
que você dá ao Senhor Jesus Cristo? Dá-lhe o
lugar do Filho eterno de Deus?
Tudo se afirma ou cai sobre isso. Você pode
tentar, e achará que a maior parte dos falsos
mestres começará a evitar o ponto. «Oh, cremos
em Jesus como um grande homem, como o maior
mestre que jamais viveu», e assim
sucessivamente. «Mas se você quiser que creiamos
que Jesus é Deus, bem, não podemos aceitar
isso». O lugar dado ao Senhor Jesus é a prova de
tudo. Esse é o primeiro fator neste grande
conflito na carta aos hebreus, e você verá por
que o escritor utiliza a totalidade da primeira
parte para magnificar o Senhor Jesus.
A segunda característica é o que o escritor
chama aqui a «vocação celestial», e você
tem que pôr toda a ênfase sobre essa palavra
«celestial». Vejam, os hebreus procuravam uma
chamada terrestre, e todos os que são como eles,
embora se denominem a si mesmos cristãos, só
desejam uma chamada terrestre, um cristianismo
que pertence a esta terra e a este mundo. Vamos
ampliar isto mais adiante, mas há um tremendo
significado nesta pequena frase, «a vocação
celestial».
Em seguida, há uma terceira característica.
Estes hebreus eram preparados para ser cristãos,
mas devia ser uma fé segundo a sua própria
mente, um cristianismo que permitisse que o
sistema do Antigo Testamento continuasse. Devia
permitir que Moisés e toda a lei de Moisés
continuassem, e que o templo e os sacerdotes do
Antigo Testamento continuassem, e que todos os
sacrifícios continuassem. «Estamos preparados
para ser cristãos se você nos deixar introduzir
nosso Antigo Testamento no cristianismo; mas se
você disser que tudo isso acabou e um sistema
celestial tomou o seu lugar, então não podemos
receber isso». Eles queriam que o sistema judeu
entrasse no cristianismo, quer dizer, um
cristianismo de ritual e de forma.
Você vê a força desta expressão
«participantes da vocação celestial» –
companheiros de Cristo? Estes companheiros de
Cristo são aqueles que são constituídos de novo
sobre uma base celestial e espiritual. São os
que estão respondendo a uma chamada celestial.
Rejeitaram transitar para o Israel celestial
Agora chegamos ao ponto da transição do Israel
natural e terrestre ao novo Israel espiritual e
celestial. Esta transição deveria ter ido em uma
sequência divina, um dando passagem
tranquilamente ao outro. O antigo deveria ter
dado pleno espaço para o novo. O velho Israel
deveria ter morrido, sido sepultado e levantado
outra vez em Cristo e convertido no Israel
celestial –os companheiros de Cristo– mas eles
rejeitaram aceitar algo assim.
E, quando rejeitaram aquilo, eles foram postos
de lado. Deus só se move com o seu propósito
concernente a seu Filho, e, embora muitos fossem
chamados, poucos foram escolhidos. Houve uns
poucos de Israel que foram escolhidos como
companheiros, mas muitos dos chamados recusaram,
e assim eles foram rejeitados, e Deus se moveu
nesta transição para o seu novo Israel
celestial.
Notem que eles rejeitaram realmente mover-se
para o terreno celestial, recusaram mover-se
para o terreno do Homem celestial. Portanto,
como consequência, eles tomaram o caminho de
Adão – e aqui há uma coisa muito interessante e
instrutiva.
Adão foi criado por Deus, eleito por Deus e
chamado por Deus em relação ao seu propósito
referente ao seu Filho, mas quando Adão foi
criado, ele não era perfeito – era inocente, mas
não era perfeito. Você sabe a diferença entre
ser inocente e ser perfeito. Um pequeno bebê é
inocente, mas não é perfeito. Ele tem que
crescer, amadurecer e chegar a ser perfeito
passando através de toda sorte de dificuldades e
problemas. Esse é o caminho em que um menino
inocente se transforma em um homem adulto.
Adão era inocente como um menino pequeno. Era
muito formoso, sem pecado, mas não era perfeito.
Ele tinha que chegar à perfeição espiritual,
ainda tinha que ser feito como o Filho de Deus.
Para isso tinha sido criado. Deus permitiu que
ele fosse provado, e, Oh, que maravilhoso teria
sido se Adão tivesse passado sua prova
vitorioso! Da inocência de um menino ele teria
sido feito um homem espiritual maduro, como o
Senhor Jesus humano, e os filhos de Adão
teriam sido pessoas muito distintas. Mas falhou
em sua prova e não tomou o rumo ao qual Deus o
tinha chamado. O que Deus fez? Desprezou a Adão.
Ele pôs uma maldição sobre ele e disse: ‘Este
tipo de ser nunca poderá me satisfazer. Ele
recusou tomar o caminho do meu Filho’.
Isso é exatamente o que aconteceu a Israel
depois. Deus fez a Israel, escolheu a Israel e
chamou a Israel – tudo com seu Filho em mente. E
Israel rejeitou ir da maneira de Deus. Israel
foi provado em relação a Jesus Cristo – os
quatro evangelhos estão cheios de Israel sendo
provado com referência a Jesus Cristo, e todos
eles se fecham com Israel dizendo «Não!» ao
caminho de Deus. Então, Deus fez com Israel o
mesmo que tinha feito com Adão – os pôs de lado.
Ele pôs uma maldição sobre eles e por muitos
séculos essa maldição permaneceu sobre Israel.
Como vocês veem, nesta carta é apresentada essa
possibilidade. Deus está dizendo aos cristãos
hebreus que não rejeitem a aquele que falou do
céu. Mas aqui está o outro lado da história.
Israel rejeitou a chamada celestial de Deus… e
justo nesse ponto é revelado o plano eterno
de Deus, quer dizer, um povo celestial com uma
natureza espiritual ocupando um lugar na criação
de Deus. Isso é o que Deus planejou eternamente.
Ele pensou isso antes de chamar Israel, e ele
chamou Israel para ser esse povo – um povo
celestial com uma natureza espiritual.
O plano de Deus é ter um povo celestial
O ponto é que justo aqui, quando Israel recusa,
Deus apresenta seu plano eterno, que é um
povo celestial de uma natureza espiritual. A
totalidade do Novo Testamento é o corpo de
verdade que se refere a esta vontade eterna de
Deus. Vejamos isto rapidamente, olhando nos
quatro evangelhos.
Se você tomar a Mateus, Marcos, Lucas e João e
tem alguma ideia global do seu conteúdo, por
detrás deles poderá ver duas linhas de movimento
passando através deles. Estes dois movimentos
correm de forma paralela. Por um lado, está a
ideia judaica do Messias e a ideia judaica do
reino de Deus. O conjunto do sistema judeu está
ali. Junto a isso, e em contraposição, há algo
diferente. Está a ideia de Deus, a ideia
celestial, do Messias, que é muito diferente da
ideia judaica e está sempre em conflito com ela.
Existe a ideia judaica do rei, que corre por uma
via ao longo dos quatro evangelhos – que tipo de
rei eles desejam e estão determinados a ter.
Junto a esta ideia, e por sobre ela, está a
ideia de Deus, a ideia celestial, de um rei:
«Eis aqui seu rei virá a ti … humilde, e
cavalgando sobre um jumento» (Zac. 9:9).
Essa não é a ideia judaica de um rei! Como pode
um homem manso, cavalgando sobre um jumento,
vencer ao poderoso império romano? Essa não era
a ideia deles a respeito de um rei. «Não
queremos que este reine sobre nós» (Luc.
19:14).
Assim, vemos as duas linhas que esboçam os
quatro evangelhos: a ideia hebreia e a ideia
celestial. Esse é o verdadeiro significado dos
evangelhos. Quando chegamos ao final deles,
vemos a ideia judaica rejeitada definitivamente
por Deus e, por outro lado, a ideia de Deus
introduzida e estabelecida para sempre. Dois mil
anos provaram isso. O sistema terrestre se foi e
não houve nada dele por dois mil anos. No outro
lado está a ideia de Deus a respeito de Seu
reino. Esta foi introduzida quando Israel foi
rejeitado, e Deus esteve avançando nela por dois
mil anos. Nós temos o Rei de Deus, estamos no
reino de Deus, e estamos sob o governo de Deus.
Isso é o que nos dizem os quatro evangelhos. É
obvio, isso não é tudo, mas essa é a conclusão
geral dos quatro evangelhos. Veremos depois os
detalhes, pelo menos em um dos evangelhos, que
demonstram o quão real é isso. Os quatro
evangelhos mostram a rejeição de Deus aos que
rejeitaram a seu Filho, e por outro lado,
mostram a Deus tomando o que está de acordo com
o Seu Filho e estabelecendo-o para sempre de
modo que as próprias portas do inferno não
puderam prevalecer contra isso.
Ao nos mover dos evangelhos ao livro de Atos,
temos aqui duas características. Primeiro, temos
a característica da transição do velho para o
novo. Com Deus, a transição é completa, mas com
o seu povo foi feita gradualmente, porque eles
não estavam preparados para aceitá-la. Foi mais
lenta do que deveria ter sido porque Tiago, a
cabeça da igreja em Jerusalém, ainda desejava
ter algo do velho Israel, e até Pedro era muito
relutante a abandonar Israel e ir para os
gentios. E o amado Barnabé foi preso nessa
armadilha. Paulo diz, com pesar em seu coração:
«…até Barnabé» (Gál. 2:13).
Estes, que vinham da velha tradição, eram muito
lentos para abandonar a sua tradição, mas vemos
que Deus seguia avançando – «Tiago, Pedro, ou
quem quer que seja, se você não vier e caminhar
de acordo comigo, te deixarei para trás e
encontrarei a outros». E no momento que eles se
encontravam tão lentos, ele achou a Paulo – e
Paulo fez que tudo avançasse. A transição foi
completa com Paulo; ele foi instrumento de Deus
para conclui-la. A carta aos Gálatas é o
instrumento pelo qual essa transição foi
concluída. O judaísmo na igreja cristã recebeu
um golpe fatal com essa carta.
Passamos do livro de Atos para as cartas, as
«Epístolas», e aqui temos simplesmente o corpo
completo do ensino referente à natureza divina e
espiritual do povo de Deus. Isto se aplica a uma
variedade inteira de conexões. Há um estado de
coisas em Corinto, outro estado de coisas na
Galácia, outro em Éfeso, e assim sucessivamente.
Mas esta única coisa é aplicada a todas estas
diversas condições – é intenção de Deus ter um
povo celestial e espiritual. Todas as cartas
foram aplicadas a diversas situações com esse
único objetivo na visão. Cada carta no Novo
Testamento tem algo a dizer sobre a natureza
celestial do povo de Deus.
Hebreus: a reunião dos afluentes da revelação de
Jesus Cristo
Chegamos à epístola aos Hebreus, e esta carta
assume um lugar muito, muito importante em todo
este assunto, como um resumo do Novo Testamento
em conjunto. Nela se reúne todo o significado do
Novo Testamento, e a ela fluem os afluentes,
fazendo-a o ponto de encontro de toda a
revelação de Deus referente a seu Filho Jesus
Cristo.
Qual é o propósito de Deus com respeito a seu
Filho? «portanto, irmãos santos,
participantes da vocação celestial…».
Tornamos-nos companheiros de Cristo.
Quais são os companheiros de Cristo? Aqueles que
deixaram totalmente o âmbito das coisas
terrestres e se uniram ao Senhor celestial; os
que se tornaram o Israel espiritual de Deus, os
que responderam à chamada celestial.
Paulo clamou, quando estava em sendo provado:
«Pelo qual, Oh rei Agripa, não fui rebelde à
visão celestial» (Atos. 26:19). Se Paulo foi
um grande companheiro de Jesus Cristo, é porque
ele tinha acabado absolutamente com tudo, menos
Jesus Cristo. «Certamente, até estimo todas
as coisas como perda pela excelência do
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor» (Flp.
3:8). Ele era um homem que estava por completo
no terreno de Jesus Cristo, inteiramente no
terreno do propósito celestial de Deus. Estes
são os companheiros de Jesus Cristo.
Há muitos crentes jovens aqui que talvez não
conheça a Bíblia tão bem como os cristãos mais
antigos e não conhecem toda a profundidade da
Bíblia do qual estive falando. Espero que isto
faça com que desejem conhecer melhor a sua
Bíblia. Talvez muito do que foi dito vocês não
entendam, mas vocês compreenderão tudo à medida
que avançarem, se retiverem a sua firmeza do
princípio até o fim. Se realmente se
comprometerem com o Senhor Jesus, vocês chegarão
a entender.
Quero que vocês compreendam que têm um Cristo
muito maior que aquele que jamais tenham
imaginado. O Cristo a quem vocês se entregaram é
um Cristo muito grande. A chamada do Senhor ao
qual vocês responderam aceitando ao Senhor Jesus
é o chamado muito maior do qual vocês tenham
conhecimento. Só gostaria que vocês saíssem com
esta impressão: «Oh, isto é algo grande! Isto é
suficiente para encher a minha vida inteira».
Não se preocupem a respeito daquilo que vocês
não entendem, mas compreendam quão grande Senhor
é o seu Senhor, e que grande coisa é a chamada
celestial.
Fonte: Charis - O correio da graça.
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