quinta-feira, 13 de maio de 2010

ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS - "MAS DEUS" EFÉSIOS 2:4


Na comunidade onde nos reunimos como igreja aqui em Itaberaba, estudamos nas quintas feiras o livro de Efésios. O texto que segue abaixo é o tema para estudo e meditação na reunião desta quinta feira. Que possamos ler, estudar e pedir ao Senhor que ilumine os nossos corações e mente para que possamos entender o falar do Senhor através deste estudo.

Que o Senhor ganhe mais e mais de nós a cada dia até chegarmos a estatura de varão perfeito.


Por: D.M Lloyd - Jones -
Exposição sobre Efésios capítulo 6

A MENSAGEM CRISTA PARA O MUNDO


"Mas Deus..." - Efésios 2:4


Agora passamos a examinar duas palavras maravilhosas – "Mas Deus". Obviamente estas palavras sugerem uma conexão com algo que as antecedeu. A palavra "mas" é uma conjunção e, contudo, sempre sugere contraste, e aqui temos a conexão e o contraste. Vejam estas palavras no seu contexto: "E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Mas Deus...".
Com estas duas palavras chegamos à introdução da mensagem cristã, a mensagem peculiar e específica que a fé cristã tem para oferecer¬-nos. Num sentido, estas duas palavras contêm, em si e por si, a totalidade do evangelho. O evangelho nos fala do que Deus fez, da intervenção de Deus; é algo que vem inteiramente de fora de nós e exibe para nós aquela maravilhosa, espantosa e assombrosa obra de Deus que o apóstolo vai descrever e definir nos versículos seguintes.
Veremos agora estas palavras somente de maneira geral. Faço isso por diversas razões. Uma é que o próprio texto nos impele a fazê-lo, mas há também certas razões especiais. Uma acusação frequentemente lançada contra a mensagem cristã, especialmente contra a modalidade evangélica dessa mensagem, é que ela é distante da vida, que é irrelevante para as circunstâncias imediatas nas quais os homens e as mulheres se acham. Noutras palavras, há, da parte de alguns, uma objeção ao método expositivo de pregar o evangelho; é que esta nunca parece enfrentar de fato as realidades da situação na qual os homens e as mulheres se veem dia a dia, e que é irrelevante para toda a situação mundial em que nos achamos. Desejo, pois, mostrar que esta acusação é inteiramente infundada; e mais, que a ideia de que o dever da pregação é apenas fazer referências tópicas aos eventos contemporâneos é, na verdade, num sentido, abandonar completamente a mensagem cristã. Eu iria mais longe, ao ponto de dizer que não há nada que realmente possa lidar com a situação contemporânea, salvo as Escrituras, quando as suas doutrinas são entendidas, recebidas com fé e aplicadas.
É o que me proponho a fazer agora. Quero mostrar a relevância do evangelho num dia como o Domingo da Rememoração, quando, quase instintivamente, e por certo em consequência do que está acontecendo no mundo em que vivemos, as nossas mentes são compelidas a encarar a situação geral e a pensar nela, além das nossas situações particulares. E afirmando, como afirmo, que o evangelho trata com a totalidade do homem e com a totalidade da sua vida neste mundo, é importante que vejamos o que ele tem para dizer sobre a situação em que nos achamos, e o que ele pretende fazer a respeito. Notem que o que eu estou ressaltando é a importância absoluta do método. Os que não pensam de maneira bíblica e cristã, e são muitos, acreditam que a tarefa da Igreja Cristã em dias como os atuais é, por exemplo, anunciar temas como, "A Conferência de Genebra - Possibilidades", e depois dizer o que achamos que os estadistas deviam fazer. Isso, ao que me parece, é inteiramente falso e contrário ao método bíblico. O método bíblico é, antes, expor a verdade de Deus, e depois mostrar a relevância disso para qualquer situação. Vocês não partem da situação, terminam com ela. Desde o início a Bíblia nos convida a parar de olhar ao nível horizontal, por assim dizer, a parar de olhar meramente para o mundo e para os homens; convida-nos, logo no começo, a elevar os olhos e olhar para Deus. Noutras palavras, toda a argumentação apresentada na Bíblia, do princípio ao fim, é que não nos será possível entender a vida, o homem e o mundo, enquanto não virmos tudo à luz da verdade acerca de Deus, e nesse contexto. Portanto, devemos começar com a verdade de Deus, e só então passar à situação imediata.
Procuremos mostrar como é feito isso, e como isso é feito na própria passagem que estamos considerando. Já consideramos em detalhe os três primeiros versículos deste capítulo, e o fizemos para que nos víssemos como somos por natureza e como o mundo é por natureza. Vocês não poderão começar a resolver os problemas da humanidade enquanto não souberem a verdade acerca do homem. Quão fútil é tentar fazê-lo sem isso. Vocês têm que começar com o caráter, a natureza, o ser do homem. Em vez de começar com conferências e discursos internacionais sobre eventos contemporâneos, necessitamos ir muito mais a fundo e perguntar: pois bem, que tipo de criatura é o homem? Obviamente, todas as nossas conclusões e todas as nossas propostas vão ser governadas pela resposta a essa pergunta. Se o homem de fato é essencialmente uma boa criatura que só necessita de um pouco mais de instrução, de conhecimento e de informação, é óbvio que o tratamento será relativamente simples. Mas se é verdade o que o apóstolo Paulo diz aqui sobre o homem como ele é por natureza, e sem Cristo, então é igualmente óbvio que esse processo de tratamento será inteiramente vão, e tentar realizá-lo será pura perda de tempo.


Qual é a verdade sobre o homem em pecado?

Temos que começar com esta doutrina. Qual é a verdade sobre o homem em pecado? Que é que caracteriza o homem quando está em pecado, sem a graça de Deus? Já examinamos esta matéria. O homem está morto espiritualmente; é governado pelo diabo, que opera mediante poderosas forças a seu comando que, por sua vez, produzem e dominam a mente e a perspectiva do mundo. Essa é a situação do homem. E o resultado é que o homem, dominado por esse mau poder, leva uma vida de ofensas e pecados; na verdade, ele nasceu de tal maneira, por ser descendente de Adão, que a sua própria natureza é decaída. Ele começa com uma natureza corrompida. E, finalmente, ele está sob a ira de Deus. Essa é a declaração do apóstolo nos três primeiros versículos.
Qual será então a relevância disso tudo para a presente situação? Que é que isso nos diz, face a toda a situação mundial na época atual? É evidente que facilmente se pode deduzir várias coisas deste ensino.


“De onde vêm as guerras e pelejas entre vós?”

A primeira é que aqui nos é dada a única explicação adequada da razão da ocorrência de coisas como as guerras. Por que as temos? Por que o homem comete essa loucura cabal? Por que será que os homens se matam uns aos outros, e até se gloriam da guerra? Porque será? Qual a explicação? Há somente uma resposta; é porque o homem é como o apóstolo o descreve. E este ensino não é só do apóstolo Paulo. Vocês recordam como Tiago se expressa a respeito no capítulo quatro da sua Epístola: "De onde vêm as guerras e pelejas entre vós?" – e responde: "dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam". Essa é a causa da guerra. É o homem em sua condição decaída. Agora, a compreensão desta verdade, deste fato, é absolutamente vital para nós, como ponto de partida. Esta é a verdade quanto às nações, quanto às classes, quanto aos indivíduos. Certamente nada é tão esclarecedor e contraditório como a forma pela qual os homens pensam quando pensam em nações, e a forma inteiramente diversa quando pensam em indiví¬duos. Pouco vale falar eloquentemente sobre o caráter sagrado dos contratos internacionais, quando vocês estão lidando com gente que rompe os seus contratos matrimoniais e outros contratos pessoais, pois as nações consistem de indivíduos. A nação não é algo abstrato, e não temos direito de esperar de uma nação uma conduta que não vemos no Indivíduo. Todas estas coisas têm que ser vistas em conjunto.
Este é um princípio que atua na sociedade inteira, do fundo ao topo, do indivíduo à nação, ao continente, ao mundo todo. De acordo com a Bíblia, a explicação do estado do mundo é que o homem é governado por estes desejos da carne e da mente. Ele não está muito interessado em se uma coisa é certa ou não; está interessado no fato de que ele a quer, gosta dela e tem que tê-la. Naturalmente recuamos aterrorizados quando uma nação se porta dessa maneira. Quando Hitler invade e anexa a Áustria, ficamos horrorizados. Sim, as pessoas que fazem as mesmas coisas em sua vida pessoal, ficam horrorizadas. Fazem a mesma coisa no que se refere à esposa alheia; fazem a mesma coisa no que se refere ao cargo ou posição ou ocupação de outrem. É exatamente a mesma coisa. Aí está, pois, o princípio. É esta cobiça, que governa a humanida¬de. "Andastes segundo o curso deste mundo", diz o apóstolo. "Andá¬vamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos", "da mente". Portanto, a primeira dedução é que aqui, e somente aqui, temos adequada explicação e entendimento da razão pela qual as coisas são como são.


“Enquanto o homem não mudar, o mundo continuará sendo como é”

A segunda dedução segue-se logicamente. É que, enquanto o homem continuar sendo governado dessa maneira, o mundo conti¬nuará sendo como é. Certamente isso é óbvio. Se o estado do homem foi responsável pela história do passado, é óbvio que, enquanto o homem não mudar, a história do futuro não mudará. Aqui nos confrontamos e entramos em colisão com o otimismo do homem natural, que está sempre tão seguro e confiante em que, de um modo ou de outro, em nossa geração consertaremos tudo. Ele acha que, ao passo que todas as gerações que nos antecederam falharam, estamos numa situação diferente, numa situação superior. Temos boa educação e somos instruídos; temos conhecimento, ao passo que elas não o tinham; progredimos tanto que só temos que ter sucesso; vamos ter sucesso. No entanto, se vocês crêem nesta doutrina bíblica do homem em pecado, hão de logo ver que isso é uma falácia fatal. Se os nossos problemas são devidos às cobiças que há na humanidade em pecado e que dominam os homens, enquanto elas permanecerem haverá guerras. Sobre isso temos ensino específico que nos vem de nosso bendito Senhor, que disse: "Haverá guerras e rumores de guerras". Disse Ele também: "Como aconteceu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem"; "Como também da mesma maneira aconteceu nos dias de Ló" – em Sodoma – "assim será" (Lucas 17:26-30). Desse modo o nosso Senhor via a história.
Se captarmos este ensino, ficaremos livres, uma vez por todas, do falso entusiasmo e das falsas esperanças dos homens que realmente acreditam que, introduzindo alguma nova organização, pode-se banir a guerra e eliminá-la para sempre. A resposta da Bíblia é que não se pode fazer isso enquanto o homem não nascer de novo. Isso é deprimente? Contesto dizendo que, se é deprimente ou não, não deve ser essa a nossa preocupação; o que deve constituir a nossa preocupação é conhecer a verdade. O homem moderno se diz realista. Ele se opõe ao cristianismo porque, segundo ele, o cristianismo não enfrenta os fatos. Não é realista, diz ele; é sempre "castelos no ar", e vocês vão para os seus templos e lá se fecham, e não encaram os fatos da vida. Contudo, quando lhe damos os fatos, ele contesta sobre o fundamento de que eles são deprimentes. Os otimistas políticos e filosóficos é que não são realistas; as pessoas que nunca encararam os fatos acerca do homem em pecado é que estão fechando os olhos e dando as costas para a realidade. A Bíblia enfrenta isso tudo; tem uma visão realista da vida neste mundo e somente ela a tem.


“O ensino direto, especifico do evangelho – ‘Mas Deus...’”

Examinemos agora o ensino direto, especifico do evangelho. Que é que a mensagem cristã tem para dizer acerca deste estado e desta condição, cuja explicação estivemos considerando? A resposta é que ela diz: "Mas Deus". Essa é a mensagem. Que significa? A maneira mais conveniente de analisar esta matéria é colocá-la primeiro em termos negativos, depois em termos positivos. Lamento ter que começar outra vez com um argumento negativo. Devo fazê-lo porque não poucos se esquecem destes aspectos negativos, e assim transmitem mensagens que não têm a mínima possibilidade de ser consideradas cristãs. E, contudo, costumam ser transmitidas em nome do cristianismo e da Igreja Cristã. Estou profundamente convencido de que o que está mantendo grande número de pessoas longe de Cristo e da salvação, e da Igreja Cristã, é esta terrível confusão da qual a própria Igreja foi, e é, tão culpada. Muitos estão fora da igreja hoje porque na primeira guerra mundial muitas vezes a Igreja Cristã se tornou uma espécie de escritório de recrutamento. Os homens se escandalizaram – e num sentido tiveram razão em escandalizar-se. Existem certas coisas que nunca deveriam ser confundidas. Notemos algumas delas.


Aspectos negativos:


“Esta mensagem cristã não é um grande apelo em prol do patriotismo”

Que é esta mensagem cristã? Iniciamos dizendo que ela não é um grande apelo em prol do patriotismo. A mensagem cristã não é isso. A mensagem cristã não denuncia o patriotismo, nem afirma que há algo de errado nele. Merece dó quem não ama o seu país, a sua nação. Não há nada nas Escrituras contra isso. Foi Deus que dividiu as nações e definiu os seus limites e a sua habitação. É da vontade de Deus que existam nações. Mas não é da vontade de Deus que exista nacionalismo, um nacionalismo agressivo. Não há nada de errado em um homem honrar o seu país e alegrar-se nele; porém é completamente anticristão dizer: "Estou com o meu país, esteja ele certo ou errado". Isso é sempre um erro, um erro fatal; é a completa negação do ensino das Escrituras. Vejam o grande apóstolo que escreveu esta Epístola aos Efésios. Aí está um homem que era judeu, e se alguma vez houve um homem orgulhoso da sua nacionalidade, foi o apóstolo Paulo – "Hebreu de hebreus, da tribo de Benjamim...". Houve tempo em que ele era um nacionalista rígido e desprezava os demais. Os gentios eram cães, estavam fora do pacto das bênçãos. Mas aquilo em que ele se gloria nesta Epístola, vocês recordam, é esta, "em que vós também confiastes" (VA). Os gentios entraram, foram feitos "coerdeiros" com os judeus, a parede de separação que estava no meio foi derrubada. "Não há grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos" (Colossenses 3:11). Essa é a posição cristã. "Mas Deus...". Aí está o meio de se derrubar o espírito nacionalista que leva à guerra. Acreditar que estamos sempre certos e que todos os outros estão errados é tão errôneo nas nações como o é nos indivíduos. É sempre errôneo. A mensagem cristã não é simplesmente um apelo a favor do patriotismo. E se o cristianismo for retratado dessa forma, será uma negação, uma máscara da mensagem, e será enganoso aos olhos e ouvidos dos que o ouvirem.


“A mensagem cristã não é apenas um apelo para a coragem, ou para o heroísmo”

Mas, em segundo lugar, a mensagem cristã não é apenas um apelo para a coragem, ou para o heroísmo, ou para a manifestação de um grande espírito de sacrifício próprio. Falemos disso com clareza. O cristianismo não condena a coragem, não condena o sacrifício próprio, nem o heroísmo. Estas qualidades, estas virtudes não são especifica¬mente cristãs. São virtudes pagãs, e eram ensinadas, inculcadas, admi¬radas e elogiadas antes da vinda do Senhor Jesus Cristo a este mundo. A coragem era a virtude suprema, de acordo com os filósofos pagãos gregos; era a quintessência do estoicismo. E por isso consideravam a mansidão, a mansidão ensinada pela fé cristã, como fraqueza. Não havia nenhum vocábulo para mansidão na filosofia grega pagã. Coragem, força, poder – essas eram as coisas em que eles acreditavam. É por isso que, vocês se lembram, Paulo nos diz que a pregação da cruz era "loucura para os gregos". Que alguém que foi crucificado em fraqueza deva ser o nosso Salvador, e deva ser o caminho para a salvação, para eles era absurdo e ridículo. Eles não davam nenhum valor à mansidão e à humildade; a coragem, a força e o heroísmo eram as grandes virtudes. É, pois, muito importante que compreendamos que não faz parte da mensagem cristã exortar o povo à coragem, ao heroísmo e ao sacrifício próprio. Não há nada de especificamente cristão nessas ideias. O cristianismo não as condena, mas não é essa a mensagem cristã. E o ponto que estou acentuando aqui é que quando isso foi apresentado como sendo a mensagem cristã, confundiu as pessoas e levou à própria divisão que o evangelho se destinava a curar.


“A mensagem cristã não consiste simplesmente em apelar para que o mundo ponha em prática os princípios cristãos”

Pois bem, passemos à terceira questão. Há muitas pessoas que parecem pensar que a mensagem cristã consiste simplesmente em apelar para que o mundo ponha em prática os princípios cristãos. Isso é apenas a posição pacifista, assim chamada. Ora, dizem eles, vocês, cristãos, estão sempre pregando sobre salvação pessoal e sobre doutrinas e tudo mais; por que não fazem algo acerca das guerras? Muito bem, dizemos nós, que é que vocês querem que façamos? O que vocês têm que fazer, replicam eles, é dizer às pessoas que pratiquem o Sermão do Monte. Por que não lhes dizem que voltem a outra face e amem uns aos outros e assim por diante? Então se daria fim às guerras. Vocês têm a solução; tão- somente façam as pessoas porem em ação os princípios do ensino de Cristo. Qual é a resposta para isso? A resposta é o ensino dos três primeiros versículos deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios. Vocês podem pregar o Sermão do Monte a pessoas que estão mortas "em ofensas e pecados" até ficarem exaustos e nem vocês nem elas ficarão mais sábios. Elas não conseguem praticá-lo. Não querem fazê-lo. São "inimigos e estranhos em suas mentes". São governadas por "cobiças". Fazem "a vontade da carne e dos pensamentos". É isso que as governa e as dirige. Como podem praticar o Sermão do Monte?
Há somente uma esperança para o homem em pecado, Paulo declara – "Mas Deus". Os homens precisam ser regenerados; precisam rece¬ber uma nova natureza antes de poderem entender o Sermão do Monte, sem falar em poderem começar a pô-lo em prática. Assim, será um arremedo da mensagem cristã falar dela como se fosse apenas um apelo dirigido aos homens para que se levantem e sigam a Cristo com as suas próprias forças, e ponham em ação princípios cristãos de ensino. É um simulacro do evangelho, da mesma forma que o é a pregação do patriotismo e do imperialismo. É igualmente não cristão. É de fato uma perigosa heresia, a antiga heresia pelagiana, porque não compreende que o homem, sendo o que é em pecado, absolutamente não pode executar tal ensino. Esperar conduta cristã de pessoas ainda não cristãs, é perigosa heresia. Vocês veem quão importante é o nosso ensino, e como é essencial que falemos com clareza sobre a fiel aplicação da mensagem cristã ao mundo moderno. É por isso que não gastamos o nosso tempo falando sobre conferências internacionais e sobre política e relações internacionais, ou sobre conflitos industriais, ou pregando sempre sobre a questão do pacifismo e contra a guerra nuclear. Fazê-lo seria simples perda de tempo – embora provavelmente atraísse publicidade. O que é necessário é que comecemos com este princípio fundamental, a doutrina do homem em pecado, em sua condição de morto, em sua desesperança, em seu desamparo completo.


“A única mensagem da fé cristã para o mundo incrédulo, em primeiro lugar, é simplesmente acerca do juízo, um apelo para o arrependimento, e dar-lhes a segurança de que, se se arrependerem e forem convertidos a Cristo, serão libertos”

Para resumir até aqui, o princípio negativo é que a mensagem cristã, o evangelho cristão, não tem nenhuma mensagem direta para o mundo, exceto dizer que o mundo, como é, está sob a ira de Deus, isto é, está sob condenação, e que todos os que morrerem neste estado irão para a perdição. A única mensagem da fé cristã para o mundo incrédulo, em primeiro lugar, é simplesmente acerca do juízo, um apelo para o arrependimento, e dar-lhes a segurança de que, se se arrependerem e forem convertidos a Cristo, serão libertos. Portanto, a Igreja, a fé cristã, não tem nenhuma outra mensagem para o mundo fora dessa.


Aspectos positivos:


“Deus colocou um comando, estabeleceu limites, sobre o poder do pecado e do mal”

Mas a Bíblia ensina também, com bastante simplicidade e clareza, que, conquanto seja essa a mensagem de Deus para o mundo incrédulo, Deus, não obstante, fez algo com relação a esse mundo incrédulo. Eis o que Ele fez em primeiro lugar: colocou um comando sobre o poder do pecado e do mal. Ele o fez da seguinte maneira: como já lhes fiz lembrar, Ele dividiu os povos do mundo em nações. Não somente isso, Ele ordenou que houvesse Estados e governos. Ele ordenou "as potestades que há". "As potestades que há", diz Paulo em Romanos, capítulo 13, "foram ordenadas por Deus"; seja rei ou imperador ou presidente de uma república, "as potestades que há foram ordenadas por Deus". Foi Deus que ordenou os magistrados e lhes deu a espada do poder. Por quê? Simplesmente para manter as manifestações do mal dentro de limites e sob controle. Pois, se não tivesse feito isso, se aos desejos que agem em todos nós por natureza e pela herança de Adão fosse permitido se manifestarem ilimitada e descontroladamente, o mundo seria um inferno e há muito se teria lançado na perdição e se teria destruído a si mesmo. Deus pôs um limite nisso. Pôs um limite até para o mal e o mantém dentro dele, e o restringe. Realmente o apóstolo, numa declaração deveras extraordinária, registrada em Romanos (capítulo 1, versículos 18ss.), prova o ponto dizendo que, às vezes, para Seus fins e propósitos, Deus retira parcialmente essa restrição. Diz ele que Deus "os entregou a um sentimento perverso". Há tempos e ocasiões em que Deus parece afrouxar a restrição que Ele impôs ao pecado e ao mal a fim de que o vejamos em todo o seu horror. Pode bem ser que estejamos vivendo um tal período. Mas é isso que a Bíblia nos diz sobre o que Deus faz diretamente quanto ao homem em pecado; Ele controla as manifes¬tações de sua natureza torpe, má e decaída. Essa é a mensagem geral.


“Podemos ser libertos do presente mundo mau, podemos escapar da condenação que certamente virá sobre este mundo”

Todavia, qual é a mensagem particular? É isso que o apóstolo está interessado em salientar acima de tudo neste parágrafo imediato. A mensagem para indivíduos é que podemos ser libertos do presente mundo mau, que podemos escapar da condenação que certamente virá sobre este mundo. Essa é a mensagem que o apóstolo pregava. É uma mensagem para indivíduos. Ela não diz que o mundo pode ser endirei¬tado se tão-somente pusermos em prática o ensino cristão; não se trata de um apelo para que as pessoas se reformem e façam isto ou aquilo. Não, é uma mensagem que afirma que, como resultado do que Deus fez em Jesus Cristo, Seu Filho, o nosso Senhor e Salvador, nós, que estávamos na própria tessitura desse mundo pecaminoso, condenado, podemos ser libertos dele – "O qual se deu a si mesmo por nossos pecados", diz ele aos gálatas, "para nos livrar do presente século mau". O mundo está condenado, o mundo vai ser destruído e punido, o diabo e todas as suas forças vão para a perdição, e todos os que pertencem a esse reino sofrerão a mesma punição. No entanto, individualmente, a mensagem do evan¬gelho aos homens e mulheres é que eles não necessitam ter participação nisso. Vocês podem ser tirados disso – "do reino das trevas", do poder de satanás, para Deus. Essa é a mensagem para homens e mulheres individuais. O mundo continuará como está, mas vocês podem ser libertos dele, podem ser retirados dele.


“Podemos ser introduzidos num reino que não é deste mundo e tornar-nos seus cidadãos”

Não somente isso; também podemos ser introduzidos num reino que não é deste mundo e tornar-nos seus cidadãos. À medida que percorrermos este capítulo, veremos Paulo elaborar bem as suas próprias palavras. O que é maravilhoso, diz ele, é que vocês, gentios, estão em Cristo, e, graças ao Seu sangue, se tornaram concidadãos dos santos; tornaram-se cidadãos do reino de Deus, do reino de Cristo, do reino da luz, do reino dos céus – um reino que não é deste mundo, reino inabalável, reino imutável. Esse é o reino no qual entramos.
Esta é a notícia mais emocionante que uma pessoa poderia receber. Atualmente somos cidadãos deste país, nossa terra natal, e estamos todos envolvidos no que acontece com este país. Se este país entrar em guerra, todos nós estaremos envolvidos. Não escapamos das bombas na última guerra mais que qualquer outra pessoa por sermos cristãos. Estamos todos envolvidos, somos cidadãos deste mundo e compartimos o destino deste mundo. Mas, graças a Deus, eis aqui algo diferente. Conquanto continuemos sendo cidadãos deste mundo, nós nos torna¬mos cidadãos doutro reino, deste outro reino que foi aberto para nós por Cristo – um reino espiritual, reino que não é deste mundo, eterno nos céus com Deus. Esse é o ensino desta mensagem. "Mas Deus...".


“Não vou fixar as minhas esperanças, nem pousar os meus afetos de modo final em nada deste mundo”

A doutrina se desenvolve na prática da seguinte maneira: se eu creio nesta mensagem, doravante não vou fixar as minhas esperanças, nem pousar os meus afetos de modo final em nada deste mundo. O homem natural faz isso, é claro; ele prende as suas esperanças a este mundo e sua mente, sua perspectiva, seus estadistas, sua mentalidade, seus prazeres, suas alegrias. Ele vive para este mundo, e nele são centraliza¬das todas as suas esperanças, e nele estão todos os seus afetos. O cristão não é assim. O cristão, havendo sido levado a ver que este mundo está fadado à ruína, que está sob a ira de Deus, fugiu da "ira futura". Ele creu no evangelho, entrou neste outro reino, e agora as suas esperanças e seus afetos estão postos lá, não aqui. O cristão é alguém que, para usar uma frase das Escrituras, sabe que é apenas "um estrangeiro e peregrino" neste mundo. É mero viajor, já não vive para o mundo; ele não é enganado pelo mundo, vê além dele. É apenas alguém que está em viagem, um viajor, e, como o coloca Tiago (capítulo 4), o cristão é alguém que se deu conta de que não passa de "um vapor", um sopro. Por isso não considera permanente este mundo; não faz os seus planos e diz, agora vou fazer isto ou aquilo. Nada disso! Em vez disso, ele diz: "Se o Senhor quiser..."; tudo sob Deus, e o cristão compreende como tudo aqui é contingente. Ele não põe mais a sua fé e os seus afetos neste mundo.


“O cristão não é apanhado de surpresa por coisa alguma que aconteça neste mundo”

Todavia, mais maravilhoso ainda! O cristão não é apanhado de surpresa por coisa alguma que aconteça neste mundo. Por isso eu disse anteriormente que não conheço nada que seja tão relevante para as circunstâncias deste mundo como este evangelho. O cristão nunca fica surpreso com as coisas que acontecem no mundo. Ele está preparado para tudo, está preparado para qualquer coisa. Não se surpreende quando irrompe uma guerra. Naturalmente o não cristão, especialmente o idealista, fica muito surpreso. Ele de fato cria, no fim da primeira guerra mundial, que a Liga das Nações ia abolir a guerra para sempre. Havia muitos que acreditavam que o Pacto de Locamo, de 1925, finalmente ia fazer isso, e estavam muito alegres. Estavam confiantes em que nunca mais haveria uma guerra como a de 1914 – 18. E quando começou a guerra de 1939, eles não sabiam como explicar o fato. Mas o verdadeiro cristão, sabedor de que o homem é uma criatura governada por cobiças, e que a cobiça sempre produz guerra, sabia muitíssimo bem que nenhum Pacto de Locamo nem qualquer outra coisa poderia abolir ou eliminar a guerra. Sabia que a guerra poderia surgir a qualquer tempo, e quando ela veio ele não ficou surpreso. Como o Salmo 112 o expressa no versículo sete: "Não temerá maus rumores; o seu coração está firme, confiando no Senhor". Crendo como cremos nesta doutrina bíblica do homem em pecado, jamais devemos surpreender-nos com o que acon¬tece no mundo. Vocês estão surpresos com todos os assassinatos, roubos, violência, assaltos, mentira, ódio, carnalidade e sexualismo? Vocês se surpreendem quando veem os seus jornais? Não deveria acontecer isso, se vocês são cristãos. Deveriam esperar isso. O homem em pecado necessariamente se comporta desse modo; não pode conter¬-se, ele vive, anda em ofensas e pecados. Ele o faz individualmente, e o faz em grupos; portanto, haverá conflitos e desentendimentos industri¬ais, e haverá guerras. Ah, que pessimismo! – exclamará alguém. Eu digo: não, que realismo! Encarem isso, estejam preparados para isso, não esperem nada melhor de um mundo como este; é um mundo decaído, pecaminoso, ímpio, mau; e, enquanto o homem continuar em pecado, é assim que será. E hoje é como nos dias de Sodoma e Gomorra, e como na época do Dilúvio!


"Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé!"

Mas, graças a Deus, ainda não terminei. Continuo e digo que o cristão é alguém que, compreendendo que vive em tal mundo, e que, não tendo nenhuma ilusão acerca dele, não obstante sabe que está ligado a um Poder que o habilita, não somente a suportar o que quer que lhe venha num mundo como este, porém, de fato o capacita a ser "mais que vencedor" sobre essa realidade toda. Ele não apenas o suporta passivamente, não meramente o tolera, não somente o "aguenta" e exercita a sua coragem. Não, isso é estoicismo, é paganismo. O cristão, estando em Cristo, o cristão, sabendo algo do que o apóstolo chama "a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos", é fortalecido, é habilitado a suportar; seu coração não fraqueja, ele não é derrotado, de fato é capaz de regozijar-se nas tribulações. Que o mundo faça com ele o pior, que o inferno seja solto, ele é mantido firme. "Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé" (1 João 5:4). Assim é que, se as coisas se tornarem realmente impossíveis, o cristão tem recursos, ainda terá conforto e consolações, ele ainda tem um poder que os incrédulos ignoram.


“O cristão está a salvo nas mãos de Deus”

Finalmente, o cristão está absolutamente seguro e certo de que, façam o mundo e os homens o que fizerem, ele está a salvo nas mãos de Deus. "Com confiança ousamos dizer", dizem as Escrituras: "O Senhor é o meu ajudador, e não temerei o que me possa fazer o homem" (Hebreus 13:6). Na verdade ele sabe que o homem, em sua malignidade, pode insultá-lo, pode persegui-lo, pode arruiná-lo, pode até destruir o seu corpo; mas também sabe que nada jamais será capaz de separá-lo "do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 8:39). Ele sabe que, seja o que for que aconteça neste mundo limitado pelo tempo, ele é filho de Deus, herdeiro da glória. Verdadeiramente ele sabe que virá o dia em que este presente mundo pecaminoso será resgatado inteiramente, e haverá "novos céus e nova terra em que habita a justiça" (2 Pedro 3:13). O cristão pode olhar para o futuro e ver que, num glorioso dia no porvir, quando o seu corpo será renovado e glorificado, quando o seu corpo não mais será fraco, não mais estará sujeito à doença, à velhice, a nenhum mal, quando será um corpo glorificado como o de Cristo ressurreto – ele sabe que, neste corpo glorificado, andará na face desta mesma terra, na qual o mal, o pecado e toda infâmia serão eliminados pelo fogo de Deus. Habitará num mundo perfeito, do qual o Cordeiro, o Filho de Deus, é a Luz e o Sol, o Esplendor e a Glória, e o desfrutará para todo sempre. É isso que a mensagem cristã, a fé cristã tem para dizer a este vil, perplexo, infeliz, confuso e frustrado mundo moderno. Tudo vem destas doutrinas essenciais que só podem ser aprendidas neste Livro, que é a Palavra de Deus. Aí está o mundo! – "Mas Deus...".

Nenhum comentário: