Christian Chen
Publicação: 04/06/2009
"Os caminhos e as obras de Deus".
“Manifestou os seus caminhos a Moisés e os seus feitos aos filhos de Israel” (Sl 103:7). Na história do povo de Deus encontramos duas classes de pessoas: aquelas que somente conhecem Seus feitos e aquelas que, além disso, conhecem Seus caminhos.
Seus feitos revelam Seu poder, mas Seus caminhos revelam Sua intimidade. Os feitos de Deus têm como objetivo nos levar a conhecer Seu poder e soberania, mas Seus caminhos são os meios que Ele utiliza para revelar Seus segredos e conduzir-nos ao Seu propósito mais elevado. Conhecer apenas Seus feitos, Suas obras, significa ficar na periferia do Seu chamamento, sem conhecer o propósito para o qual fomos chamados. O grande perigo jaz em querermos egoisticamente desfrutar de Seu poder, de Suas bênçãos, não buscando conhecer Seus caminhos e cooperar com Seu propósito. Palavra aos Leitores.
O DUPLO CHAMAMENTOA indignação de Deus derramou-se sobre aqueles que “...sempre erram no coração... e não conheceram os Seus caminhos” (Hb 3.10). No deserto caíram milhares daqueles que insistiram em andar em seus próprios caminhos, em vez de se submeterem à direção de Deus rumo à edificação do Seu testemunho; e tudo isso serviu de exemplo para nós, que já temos chegado ao fim dos tempos (1 Co 10).
No entanto, Seus caminhos estão claramente definidos em Sua Palavra e Seu propósito será cabalmente cumprido. O Senhor ainda chora por Sua Jerusalém celestial e nos chama de volta para Ele, de volta para Seus caminhos.
DA DESOLAÇÃO À RESTAURAÇÃOAtrás de todo o chamamento de Deus registrado na Bíblia há sempre uma vontade de Deus específica. A fim de realizar essa vontade, Deus chamou alguns ou um grupo de pessoas para participar de Sua obra.
Toda e qualquer vontade de Deus específica é apenas uma fase do plano eterno de Deus para uma pessoa específica num tempo e espaço específicos. A fim de obtermos uma visão panorâmica do conselho eterno de Deus, é necessário correlacionar todos os dados mencionados na Bíblia a respeito do chamamento de Deus, mas descobriremos que esta é uma tarefa impossível. Contudo, entre os numerosos chamamentos de Deus, há somente oito chamamentos duplos mencionados na Bíblia. Nessas passagens, Deus chama o nome de uma pessoa duas vezes, como, por exemplo, “Abraão! Abraão! ou “Saulo! Saulo!”. Esta impressionante revelação definitivamente chama nossa atenção e nos convida a estudar este assunto mais cuidadosamente. O esforço empregado nessa tarefa mostrou-se recompensador.
Por meio das revelações desses duplos chamamentos de Deus nós temos o privilégio de compartilhar com nossos leitores uma ilustração do que é a “esperança do Seu chamamento” e o maravilhoso propósito de Deus para todos os santos, tanto individual como corporativamente. Nossa oração é para que os leitores da língua portuguesa respondam ao duplo chamamento de Deus e nele caminhem à medida que Deus os capacita e, com isso, tragam um avivamento espiritual em suas localidades.
Nós agora apresentamos este livro como cinco pães e dois peixes Àquele que colocou em nossas mãos estas mensagens e o colocamos novamente naquelas mãos que por amor de nós foram feridas. Se assim for Sua vontade, que Ele mesmo abençoe esta mensagem e permita que ela alcance um público mais amplo e chegue àqueles que têm fome espiritual. Amém.“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis Eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a vossa casa vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não Me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mateus 23.37-39)
“Quando ia chegando, vendo a cidade, chorou e dizia: Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação.” (Lucas 19.41)
PEREGRINAÇÃO E AS FESTASBuscando na presença do Senhor o que Ele desejava que eu ministrasse nessa ocasião, tive um encargo muito forte pelo sentimento expresso nos versículos citados acima. Ambos trechos têm um impressionante pano de fundo. Nosso Senhor, na metade de Seu último meio ano na terra, andou do monte Hermom até o Gólgota; em Sua jornada, Ele disse aos discípulos ser-Lhe necessário subir para Jerusalém. Esse caminho que Ele fez para Jerusalém era quase exatamente o mesmo caminho que os filhos de Israel faziam a fim de subir para as três festas anuais: a Páscoa, o Pentecoste e a Festa dos Tabernáculos. Essa trajetória era bem complexa. Por exemplo: os israelitas que moravam na Galiléia, que fica no norte de Israel, tinham de cruzar para o lado leste do rio Jordão a fim de ir para Jerusalém. O Jordão, que liga duas massas de água: o mar da Galiléia, ao norte, e o mar Morto, ao sul, é a fronteira leste de Israel. Assim, se os galileus quisessem andar menos, iam para o sul a fim de cruzar o rio. Desse modo, porém, eles teriam de passar por Samaria. Então, por eles não se relacionarem com os samaritanos, antes de chegar a Samaria eles se desviavam, cruzando para o lado leste do rio Jordão e, então, desciam para o sul. Quase chegando à cidade de Jericó – o lugar mais baixo do mundo, que se situa a aproximadamente 430 metros abaixo do nível do mar – é que os israelitas cruzavam o Jordão.
Jericó é próxima de Jerusalém e é o local mais baixo daquela região – o mais elevado é Jerusalém. Portanto, eles caminhavam do lugar mais baixo para o mais elevado. Imagine uma caminhada de uma região a 430 metros abaixo do nível do mar até a região mais elevada! Esse era, sem dúvida, um caminho ascendente, no qual facilmente os peregrinos se cansavam. Por essa razão, eles cantavam salmos enquanto andavam. Há, no Livro de Salmos, um grupo de quinze deles que são chamados de “salmos dos degraus” ou “cânticos de romagem”, que são exatamente os cânticos que usavam para se encorajar mutuamente em sua jornada para Jerusalém. Esses quinze salmos os levavam à presença de Deus e os reunia em Sua presença.
Todos os anos, os israelitas se reuniam para comemorar as festas e para estar, juntos, diante da face de Deus. Eles caminhavam por muitos dias e durante sua peregrinação havia muitos sofrimentos, muitos perigos. A esse caminho a Bíblia chama de “caminho de Sião”: é o caminho que leva o homem à presença de Deus. Mas a Bíblia diz também que esse caminho passa por um vale, o Vale de Baca, que significa “vale das lágrimas”. Portanto, ir para Jerusalém a fim de buscar a Deus implica pagar um alto preço. Os israelitas passavam por muitas tribulações, dificuldades e perigos e, quando viam seus pés dentro das portas de Jerusalém, quando finalmente chegavam à presença de Deus, naquele momento podiam cantar juntos o salmo 133: “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!” Por que todos haviam se disposto a buscar a presença de Deus, eles descobriam, não somente a presença de Deus, mas também a presença dos irmãos, em um único caminho. Por isso, cantavam: “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!” Este é o auge do cântico dos degraus. O salmo seguinte era o que eles cantavam ao se despedir. Assim, podemos dizer que o objetivo da ida a Jerusalém era aquele momento em que eles podiam cantar quão bom e agradável era estarem unidos. Os peregrinos não podiam conter a alegria quando, ainda ao longe, avistavam os muros de Jerusalém. Ao ver Jerusalém, eles se esqueciam das dificuldades e dos sofrimentos do caminho; ao ver Jerusalém, podiam esquecer-se das lágrimas do vale; por isso, dos que chegavam a Jerusalém, não havia um sequer que não se rejubilasse e desejasse celebrar a festa. Assim, o preço que eles pagaram durante os dias de jornada, todas as dificuldades do caminho foram válidas, pois, por fim, chegavam à presença de Deus.
O TESTEMUNHO DE DEUSQue há de melhor do que a presença de Deus? O que há de melhor do que ver os irmãos? Primeiramente, vemos a Deus e, então, os irmãos; nosso relacionamento espiritual deve ser primeiramente com Deus, o sentido vertical, e depois com os irmãos, sentido horizontal. Não somos um agrupamento, ou um clube ou um partido que se reúne apenas por termos crenças iguais. Somos irmãos. E encontramos nossos irmãos no caminho de Sião. Eu quero andar no caminho de Sião e outro irmão também quer – é um caminho difícil, pelo qual temos de pagar um preço, pois ele passa pelo vale das lágrimas; mas, quando estamos juntos, vemos Jerusalém edificada sobre o monte, na região mais elevada, e ficamos cheios de alegria e satisfação juntamente com os irmãos que subiram conosco. Jerusalém edificada alegra a nós e a Deus, pois, na Bíblia, ela representa eternamente o testemunho de Deus.
Por que ela era o testemunho de Deus? Porque lá estava Seu templo, o qual representa a presença de Deus. Portanto, quando os filhos de Israel estavam reunidos, o conteúdo de seu ajuntamento era a presença de Deus. Com a presença Dele, tudo lhes era um paraíso! Bastava-lhes chegar à presença de Deus para perceber que todo esforço e todas as lágrimas valeram a pena. Portanto, todos os que percorreram o caminho de Sião, chegando à presença de Deus, descobriram Deus e também descobriram os irmãos.
Por isso, irmãos e irmãs, temos sempre de lembrar que a presença de Deus se manifesta, de maneira espontânea, numa expressão concreta, que era representada, no Antigo Testamento, pela cidade de Jerusalém. Portanto, Jerusalém representa o testemunho de Deus, e o testemunho de Deus é baseado em Sua presença. Por isso, pode-se abrir uma fábrica ou uma escola, mas nunca poderemos abrir, produzir ou fundar o testemunho de Deus. Basta-nos ter interiormente a presença de Deus para, de forma espontânea, termos exteriormente Seu testemunho glorioso.
A PRESENÇA DE DEUS E O TEMPLO – O CONTEÚDO E A CASCAAo ler o Antigo Testamento, devemos sempre ter em mente que, quando Jerusalém é mencionada, temos uma referência ao testemunho de Deus, pois a cidade de Deus e Seu templo são inseparáveis.
O templo é a realidade interior e a cidade é o testemunho exterior – por haver a presença de Deus, o resultado gerado exteriormente é o testemunho de Deus.
Portanto, quando a presença de Deus é verdadeira, Ele permite que exteriormente se veja um testemunho concreto. No entanto, quando a realidade interior é perdida, o testemunho exterior é perdido. Não podemos nos enganar: quando a vida divina se esvai, quando não temos a presença de Deus, o que vemos é meramente uma organização humana, o resultado do agir das mãos do homem.
Quando a realidade interior já não existe, Deus não deseja que criemos uma falsificação de Seu testemunho. Havendo Sua presença, temos o paraíso; por isso, não precisaremos fazer propaganda do testemunho de Deus, dizendo: “Nós somos a igreja e ninguém mais é” – todos os que falam assim provam que não são a igreja. Aquele que realmente tem a presença de Deus pode falar qualquer coisa, menos essas palavras. Não há meio termo: ter a presença de Deus é ter a presença de Deus; quando a vida vazou ela vazou; se a água da vida entre nós secou, não temos água da vida. Não nos enganemos.
Precisamos ter clareza de que Deus destrói o que é visível externamente quando não há mais realidade interiormente – Ele permite que não permaneça pedra sobre pedra. Quando os israelitas se rebelaram contra Deus, quando adoravam ídolos em oculto, quando não procediam mais como na época de Davi – exteriormente tudo ainda estava igual, pois o templo estava lá e o serviço a Deus ainda era realizado, aparentemente nada havia mudado, mas só Deus sabia que a realidade interior já não existia. Por isso, o livro de Ezequiel diz que a glória de Deus se retirou de Seu templo para o oeste do monte das Oliveiras e dali ascendeu aos céus. Por essa razão, no registro do Antigo Testamento, a partir desse evento, Deus passou a ser chamado apenas de Deus dos céus, em lugar de Senhor dos céus e da terra.
Em Jerusalém, antes do cativeiro babilônico, havia o nome de Deus, mas, porque Sua presença fora perdida, Sua glória se retirou para o céu; por isso, a Jerusalém da terra, o templo da terra, se tornou apenas uma casca: bela por fora, mas sem vida por dentro. Por isso, Deus permitiu que o exército babilônico invadisse a Cidade Santa e a incendiasse. E, enquanto Jerusalém queimava, o profeta Jeremias estava, provavelmente, escondido numa caverna do monte Gólgota. Ele via a cidade sendo incendiada; o fogo estava queimando fora de Jeremias, mas a Bíblia nos indica que, na realidade, o fogo ardia dentro dos ossos de Jeremias, queimando até esgotarem suas lágrimas. Por isso, ele é conhecido como o profeta que chora (cf. Lm 3.49).
O CHORO DE JEREMIASEnquanto Jeremias via Jerusalém, a Cidade Amada, o testemunho de Deus, ardendo em chamas, o fogo do céu queimava dentro dele e ele chorava pela cidade.
Nessa situação, ele escreveu o livro de Lamentações de Jeremias. Esse livro registra o choro de Jeremias por Jerusalém, pois ela deveria ser o testemunho de Deus, mas agora foi destruída, agora não há pedra sobre pedra. Ela não era a cidade do grande Rei? Ela não fora edificada pelo próprio Deus? O próprio Deus havia dito que a escolhera e que nela habitaria; Ele disse que escolheu Sião.
Ele desejava morar naquela cidade, queria ter nela Seu lugar de descanso. Mas, por causa da idolatria dos israelitas, Deus permitiu que Nabucodonosor invadisse Jerusalém e a incendiasse.
E Jeremias chorou ao ver isso. Quão diferente isso era de quando os israelitas se reuniam em Jerusalém nas festas! Ali não havia ninguém de mãos vazias, pois cada um deles levava o produto da terra de Canaã, a terra que manava leite e mel. Aqueles milhares de israelitas, como um só homem, davam um único testemunho de Deus na terra, cantando: “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!”. Quando havia a realidade interior, Deus permitia sua manifestação exterior.Jerusalém estava sempre no coração dos filhos de Israel, mesmo quando estavam no cativeiro babilônico. Toda vez que se lembravam de Sião, eles choravam. A única coisa que podiam fazer era pendurar as harpas nos salgueiros junto aos rios de Babilônia, pois não lhes era possível entoar as belas canções de sua terra (Sl 137.1-4).
Onde quer que eles estivessem, jamais se esqueceriam de Jerusalém, pois ela representava o testemunho de Deus. Por essa razão, não havia israelita que não rejubilasse ao chegar em Jerusalém, que não derramasse lágrimas de alegria, pois todas as dores e dificuldades já haviam passado. Aqueles que realmente conheciam o testemunho de Deus, ao ver Jerusalém, eram tomados de incontida e espontânea alegria. Mas, ao lermos a Bíblia, vemos que Alguém teve uma reação diferente ao ver Jerusalém.
O caminho que o Senhor percorreu com os discípulos no último meio ano de Seu ministério era quase o mesmo que os israelitas andavam para ir a Jerusalém, o caminho de Sião.
Nessa etapa final de Seu ministério, Ele seguia resolutamente para a Cidade Santa e disse algumas vezes aos discípulos: “Eis que subimos para Jerusalém” (Mt 16.21; 20.18; Mc 10.32, 33; Lc 9.51, 53; 13.22; 17.11; 18.31; 19.28).Jerusalém era Seu alvo. Em Mateus 16, lemos que Jesus perguntou aos Seus discípulos quem o povo dizia ser Ele. Alguns personagens foram mencionados, e havia também quem dissesse ser Ele Jeremias. Isso não é coincidência, mas é a soberania de Deus! Por que Jesus se parecia com Jeremias? Porque, em toda a Bíblia, só houve duas pessoas que choraram por Jerusalém: Jeremias e o Senhor Jesus.
O CHORO DE JESUSQuando Ele e os discípulos finalmente chegaram a Jerusalém – ao contrário dos outros israelitas que choravam no caminho por causa das dificuldades, mas alegravam- se ao ver a Cidade de Deus –, nosso Senhor chorou por ela! Assim como no Antigo Testamento houve uma pessoa que chorava por Jerusalém, assim também há Alguém no Novo Testamento.
No Antigo Testamento, temos o livro das Lamentações de Jeremias, um longo poema que expressa todo o sentimento profundo do profeta.
E, lendo atentamente as palavras do Senhor Jesus, vemos que elas também são um poema. Há vários poemas ditos pelo Senhor e registrados nos Evangelhos, não temos tempo de vê-los um a um agora, mas há um que é especial: este que se identifica com as lamentações de Jeremias.
A constituição deste poema é lamentação, a constituição deste poema é dor. Há poemas que, por meio de suas rimas e estrutura, nos dão um sentimento de alegria, mas tanto Lamentações quanto esta declaração de Jesus são cheias de lamento e dor. O poema está registrado em Mateus 23.37: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis Eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a vossa casa vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!”
Os especialistas em poesia hebraica dizem que esse trecho da palavra do Senhor Jesus tem uma estrutura de poema igual à de Lamentações de Jeremias.
Quando o Senhor chora por Jerusalém, Ele concentra Seu sentimento nestas palavras: “Jerusalém, Jerusalém (...) Quantas vezes quis Eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas”.
Jerusalém é uma cidade, é a capital de Israel. É uma cidade que pode ser achada no mapa, que foi edificada sobre um monte. A história não registra nenhuma cidade do mundo que tenha passado tantos sofrimentos como esta. Segundo alguns autores, desde o início dos registros históricos, Jerusalém já foi destruída e reconstruída por pelo menos vinte vezes.
Mas quando o Senhor Jesus chorava por Jerusalém, Ele não estava chorando por uma cidade material, um amontoado de edifícios e ruas. A cidade pela qual Ele chorou é uma cidade que pode escolher, pode decidir, pode optar por ser reunida pelo Senhor sob Suas asas.
O Senhor Jesus queria reunir os filhos de Jerusalém como a galinha ajunta os pintinhos debaixo das asas, mas os israelitas responderam dizendo: “Crucifica-O! Crucifica-O!” Para os israelitas, Jerusalém sempre foi uma cidade santa; por isso, todos os que não eram santos não podiam morrer dentro da cidade.
Sem dúvida, o Senhor Jesus é o Santo – Ele é a encarnação da santidade de Deus –, mas os israelitas consideraram a cidade muito mais santa que o próprio Senhor. Os judeus jogavam todo o lixo fora da cidade: eles crucificaram o Senhor fora da cidade e preferiram um salteador. Eles clamaram:“Crucifica-O! Crucifica-O!”.
Veja, amado irmão e irmã: o Senhor Jesus a queria, mas Jerusalém não queria a Ele. Se Jerusalém fosse, de fato, em sua realidade interior, uma cidade santa, como poderia não receber o Santo Senhor Jesus? Portanto, o Senhor Jesus não chorou apenas pela Jerusalém do mapa, a Jerusalém da história. Aos olhos do Senhor Jesus, Jerusalém era algo muito mais elevado do que simplesmente uma cidade: ela representava o testemunho de Deus e, por isso, está relacionada ao eterno propósito de Deus. Ao chorar por Jerusalém, Jesus disse: “Jerusalém, Jerusalém (...) Quantas vezes quis Eu reunir os teus filhos (...) e vós não o quisestes!” E, pouco depois, acrescentou: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta.” Quando era apenas um menino, Jesus disse: “Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?” (Lc 4.29). O templo de Jerusalém era, no sentimento do Senhor, a casa do Pai. Mas ao chorar por Jerusalém, Ele disse: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta.” O templo de Deus deveria ser o lugar de descanso de Deus; se fosse, o Senhor teria dito: “Esta é a casa de Meu Pai”. Mas, a partir do momento em que a realidade interior da presença de Deus não existe mais, por estar o templo de Deus em desolação, o Senhor refere-se a ele como “a vossa casa”.
Os israelitas, no Antigo Testamento, já manifestavam essa indisposição de se arrependerem de seus pecados e se consolavam dizendo que Jerusalém não seria destruída, pois o templo de Deus estava ali: “Templo do SENHOR, templo do SENHOR, templo do SENHOR é este” (Jr 7.4), eles repetiram para se entorpecer.
Na verdade, a glória de Deus já se havia retirado dali, mas eles ainda falavam: “Este é o templo de Deus, a cidade de Jerusalém não será destruída, pois uma vez que haja o templo de Deus, ele será eternamente o templo de Deus!” É como os que dizem hoje: “Uma vez que somos a igreja de Deus, seremos eternamente a igreja de Deus.” A Igreja de Deus não é a casa do Pai? Sim, no princípio, de fato, era assim. Lembrem-se que o Senhor Jesus disse: “Não sabíeis que Me cumpria estar na casa de Meu Pai?” Mas ao chorar por Jerusalém, Ele disse: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta.” Em Lucas 19.41, Ele acrescentou: “Não deixarão em ti pedra sobre pedra”. E a história comprova que essa palavra foi cabalmente cumprida.
A DESTRUIÇÃO DA CASCA VAZIAEm Mateus 24.1, 2, o Senhor disse algo com respeito à situação futura do templo de Deus. Isso foi profetizado quando Ele andava com os discípulos no templo e estes se maravilharam das pedras com que havia sido edificado. O templo foi construído com pedras muito grandes colocadas umas sobre as outras, pedras extremamente pesadas, entre as quais não foi usado nenhum tipo de cimento – elas ficavam ligadas umas às outras apenas por seu próprio peso.
A maneira como o templo foi edificado indica a maneira como a Igreja deve ser edificada. Edificação da Igreja não é criar maneiras de fazer com que os irmãos fiquem juntos, ensinando computação ou cuidando da saúde dos idosos, por exemplo. Se fizermos isso, é como ter de usar cimento para juntar as pedras. Mas, de acordo com a tipologia da construção do templo, a edificação da Igreja acontece como decorrência espontânea do peso espiritual diante do Senhor que cada pedra viva adquire por meio de muitas lições espirituais preciosas aprendidas em oculto. Assim, quando nos reunirmos com outros irmãos, teremos o peso espiritual que adquirimos na presença do Senhor. Somos edificados juntos, pois você tem peso e eu também tenho peso; nós, por nós mesmos, não temos peso espiritual algum, pois só Cristo é nosso peso. Quanto mais você experimenta Cristo, mais peso você tem. Irmãos e irmãs, a Igreja é edificada exclusivamente dessa maneira.
Por causa dessa característica do templo, os discípulos se admiraram: “Mestre! Que pedras, que construções!” Mas Jesus lhes disse: “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada”.
Irmãos e irmãs, essa profecia se cumpriu completamente. No ano 70 d.C., o comandante romano Tito liderou seu exército e invadiu Jerusalém. Os soldados cortaram todas as oliveiras do Monte das Oliveiras e usaram a madeira para preparar a invasão. E eles iam atacar Jerusalém exatamente na época da celebração da páscoa, quando os israelitas, de todos os lugares, vinham a Jerusalém para comemorar a festa. Era uma cena muito curiosa! A cidade estava cercada por cavalos e exércitos e, por isso, era tempo de todos se afastarem da zona de guerra – mas os israelitas vinham em grande número para Jerusalém. Por que eram tão corajosos? A razão é que eles achavam que Jerusalém nunca seria destruída. Eles entendiam que, uma vez que Jerusalém era a cidade de Deus, edificada por Deus, ela jamais seria destruída. Eles supunham serem especialmente protegidos por Deus por serem judeus, enquanto seus inimigos eram gentios, povo desprezado por eles e por Deus. Eles diziam que aquela era a cidade eterna e, por isso, os romanos não a conquistariam. Isso os tornou obcecados, a ponto de entrar na cidade, em meio ao cerco, para comemorar a festa. Os soldados romanos não podiam acreditar no que viam! “Eles deveriam correr da cidade; por que todos vão para ela?” Mas era exatamente esta a situação: os israelitas obcecados de todas as partes do país seguiam para lá. Então, Tito deu ordem para que se abrissem todas as portas da muralha, a fim de quem quisesse entrar entrasse. E, exatamente nesse momento, muitos discípulos, por lembrar da profecia de Jesus de que haveria uma grande tribulação que não deixaria ficar pedra sobre pedra, por crer que aquela palavra do Senhor não falharia, aproveitaram a ocasião em que os judeus entravam na cidade para dela fugir. Entre esses discípulos estavam João e a mãe de Jesus. Finalmente, as portas da cidade foram fechadas – e aquela foi a última Páscoa do povo de Israel –, e eles morreram todos. Os romanos incendiaram a cidade e o templo. Quando metade do templo estava queimando, eles se lembraram de que lá havia muito ouro e prata que, agora, derretidos, estavam escorrendo para as fendas das pedras. Então, foi dada uma ordem para que todo o exército tirasse o ouro e a prata do meio das pedras. E, por isso, não ficou pedra sobre pedra, sendo, desse modo, cumprida integralmente a profecia do Senhor Jesus. Daquele dia em diante, a nação de Israel desapareceu totalmente da terra, até ser restabelecida em 14 de maio de 1948. Isso foi o cumprimento da palavra do Senhor: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não Me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!” No futuro, eles reconhecerão que Jesus é o Messias e dirão: “Bendito o que vem em nome do Senhor!” Mas, naquela época, o que eles disseram? “Crucifica- O! Crucifica-O! Elimina-O! Preferimos o salteador, nós não O queremos.” Quando Pilatos perguntou: “Hei de crucificar o vosso rei?”, que responderam os judeus? “Não temos rei, senão César!” Os judeus sempre deveriam dizer que além de Deus não tinham rei. Por isso, os judeus e os romanos não se misturavam; mas, para eliminar o Senhor Jesus, disseram algo que era totalmente contra sua consciência e sua lei. JUNTOS!
Depois de termos sido salvos, percebemos que não somos os únicos: há muitos outros cristãos que, como nós, têm a vida de Cristo. Vemos, então, que estamos na Casa de Deus. Fomos chamados do mundo por Deus para que estejamos juntos; portanto, ninguém pode ser um cristão isolado ou solitário. Sem Deus não podemos viver, mas sem os irmãos e as irmãs também não podemos viver nem amadurecer.
Por definição, a Igreja é, primeiramente, a reunião dos chamados. Todos nós, cristãos, fomos chamados por Deus para sair do mundo e reunir-nos. E essa reunião dos chamados é a Igreja, é a Casa de Deus, é o templo de Deus. Assim, o templo do Antigo Testamento é apenas uma prefiguração da Igreja. Temos de lembrar sempre que a Igreja não testemunha de si mesma, mas testifica de nosso Senhor. Quando desfrutamos a presença do Senhor, naturalmente nós O exaltamos e Dele testemunhamos; desse modo, Sua glória e beleza são espontaneamente manifestadas por meio de nós. Ninguém consegue expressar sozinho todas as características de Cristo; mas em um irmão vemos a mansidão de Cristo, em outro vemos Sua longanimidade, em outro, Sua humildade.
E, quando nos reunimos, vemos uma única personalidade, que é a de Cristo. A personalidade de Cristo é Sua imagem, à qual estamos sendo conformados a fim de que as pessoas possam ver Sua glória e beleza.
Recentemente, houve um terremoto muito forte em Taiwan, e muitos irmãos foram ajudar aqueles desabrigados das áreas atingidas. Ali, naquela situação, foi possível perceber que alguns conhecem de fato a Igreja, mas muitos, não.
O testemunho da Igreja exalta a Cristo. Se vestimos a roupa do evangelho e o capacete do evangelho, o que mostramos às pessoas é Cristo, nós mesmos não ficamos visíveis. Você sabe por que nosso corpo necessita ser coberto? Você sabe por que expor o corpo é vergonha? Cobrir o corpo tem por objetivo fazer com que o mundo inteiro veja apenas nossa cabeça. Do mesmo modo, o testemunho da Igreja nunca deve exaltar a ela mesma, mas unicamente a Cristo. É suficiente levarmos as pessoas a crer em Jesus, não precisamos que as pessoas nos conheçam nem valorizem o que fizemos. Quando ocorreu o terremoto em Taiwan, muitas áreas foram severamente atingidas. No entanto, por haver naquelas áreas de calamidade muitos repórteres e câmeras de televisão de todo o mundo, os cristãos que ajudavam as pessoas desabrigadas levantavam grandes bandeiras, nas quais estava escrito que eles eram de tal “igreja” e de tal denominação. Amados irmãos e irmãs, o que foi mostrado ao mundo todo pela televisão? Esse o testemunho que o Corpo de Cristo deve dar? O Corpo dá testemunho da Cabeça, não de si mesmo. Mas o problema está em que, naquela situação, alguns queriam que o mundo inteiro soubesse que eles estavam socorrendo os afligidos pelo terremoto – estavam chamando atenção sobre si mesmos. A Bíblia registra que a Igreja primitiva socorria os pobres segundo o preceito do Senhor, de que a mão esquerda não deveria saber o que a mão direita fazia (Mt 6.3), nunca com o objetivo de exaltar o homem. Quão diferente, porém, daquilo que vimos em meio à destruição em Taiwan! Mas, além da exaltação do homem, ali vimos a manifestação das divisões entre os filhos de Deus – grupos separados sob bandeiras distintas, anunciando sua própria obra. O testemunho de Deus, representado por Jerusalém, não é algo abstrato. Após termos sido salvos, tornamo-nos membros da Igreja, que é o lugar de desfrute da presença de Deus. Por isso, quando nos reunimos com outros irmãos, testemunhamos da unidade. Por conhecermos, de fato, o Senhor e Sua Igreja, não aceitamos que haja qualquer divisão entre Seu povo. Desse modo, graças ao amor de Cristo em nós, sabemos amar aqueles que não são amáveis, aqueles que são diferentes de nós, mesmo aqueles que não viram a luz de Deus sobre a Igreja. O amor nos faz humildes, o amor nunca nos faz sentir especiais. Esse é o testemunho da Igreja: um testemunho de unidade e de amor.
O MAIS IMPORTANTE É O MAIS BAIXOLembro-me da primeira vez que fui a Jerusalém. Eu fiquei muito entusiasmado, pois havia subido a Sião, ao monte do Senhor. Mas eu estava um pouco preocupado: eu não tinha certeza se aquele era o verdadeiro monte Sião! Em Jerusalém – este é um fato curioso –, você vai encontrar dois pináculos, dois lugares da última ceia, dois Gólgotas, e muitas outras coisas duplas. Então, por causa de minha dúvida, perguntei a um monge do mosteiro que ficava naquele lugar: “Este é realmente o monte Sião? ”Ele me respondeu: “Este não é o monte Sião.” Então, perguntei-lhe onde ficava o monte. Ele respondeu: “Como em redor de Jerusalém estão os montes, assim o SENHOR, em derredor do Seu povo” (Sl 125.2). O menor desses montes que você vir, este é Sião.” Então, eu olhei para o leste e também para o oeste, perguntando-me onde estava o monte de Deus. O monge, que estava me observando, me disse: “Você está procurando de maneira errada. Não olhe para cima nem para os lados; você tem de olhar para baixo, você tem de olhar para o vale. Ali há um pequeno monte: aquele é realmente o monte Sião do tempo de Davi. O monte Sião em que você está agora é o monte assim designado de acordo com a tradição católica, não é Sião do tempo de Davi, não é o monte Sião da Bíblia.” A Bíblia diz que os povos dos montes afluirão para Sião (Is 2.2). A palavra “afluirão” no original tem a idéia de fluir como água. Obviamente, a água nunca corre para cima, mas sempre para baixo; portanto, se todos os montes fluem para este monte, o monte Sião não apenas é o menor, mas também o mais humilde. No entanto, o mesmo versículo diz que o monte da Casa do SENHOR será estabelecido sobre os mais altos montes. Como poderão as águas fluir em direção ao cume? Isso é um paradoxo! Sim, e ele encerra um princípio espiritual fundamental: se somos realmente espirituais, se, de fato, andamos com o Senhor, se somos úteis a Ele e a Sua Casa, devemos ser os mais baixos, os mais humildes, os que mais servem. Somente a vida de Cristo em nós e o operar profundo de Sua cruz podem gerar esse caráter em nós.Irmãos e irmãs, isto é o monte Sião, e assim deve ser o testemunho da Igreja. Se realmente vemos o que é a Igreja, se realmente vemos o que é o testemunho de Deus, jamais diremos que somente nós somos a igreja e ninguém mais é. No momento em que falamos assim, já não somos o mais baixo, mas nos elevamos a nós mesmos e ninguém consegue nos acompanhar. Isso não é testemunho da Igreja. Por isso, quando nos reunimos, temos de lavar os pés uns dos outros. O que significa lavar os pés? Humilhar-nos para servir aos irmãos. Quando nos reunimos, não estamos somente diante dos pés do Senhor, mas estamos também diante dos pés dos irmãos. Essa é uma vida humilde. Assim, todo o testemunho da Igreja deveria ser a representação do monte Sião.
Então, ao unirmos o monte Sião ao monte Moriá temos Jerusalém. Isso prefigura nosso testemunho. Para os judeus, há uma cidade: Jerusalém; nela há um templo, o templo de Deus. A cidade é material e o templo é material, mas Deus, por meio dos filhos de Israel, nos dá uma ilustração muito importante, pois, na verdade, Jerusalém representa algo espiritual: o eterno propósito de Deus. Isso é trabalho de Deus, não trabalho nosso. Mas se você ama a Deus, naturalmente tem parte na Sua obra. Portanto, repito: hoje nós estamos reunidos, fomos chamados para andar juntos, fomos chamados do mundo para exaltar a Cristo, glorificar a Cristo, dar testemunho por nosso Senhor. Agora por meio de nós há um testemunho visível: as pessoas não devem nos ver, mas ver apenas a Cristo.
Texto extraído do 1º capítulo do livro "O Duplo Chamamento". Editora dos Clássicos, 1ª edição
Fonte: http://www.celebrandodeus.com.br/
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